bleed like you mean it

© Kaye Blegvad

dentro, fora, morto, vivo

- Sabias que os desconfiados e os mortos têm uma coisa em comum? São calados.
        O problema, o verdadeiro problema, é que não consigo apesar de tudo convencer-me a mim próprio de que não estou espiritualmente morto. Muito francamente, as provas são esmagadoras, se essa maneira de estar morto implica a capacidade de apenas comunicar com o passado, a incapacidade de comunicar com o presente.

- Estás num beco sem saída?

- Queres dizer que não tenho potencialidades? Tenho, tenho potencialidades, claro. Sabes a impressão que me dá? É como aqueles tesouros inúteis dos galeões espanhóis afundados. Nunca mais virão à superfície. Todos os meus dias, Mark, são vividos tendo diante dos olhos o meu próprio tesouro afundado. Está no meu canto, algures. Está tudo no meu canto.

Ouve - Eu sei que o canto é uma necessidade, uma evidente partícula da vida, um todo dentro de um todo, se quiseres, mas eu sei que tenho de morrer de certo modo para sair dele. Alguma coisa tem de morrer. Pode ser que eu esteja a emergir. Não estou morto dentro dele, em todo o caso. Podes dizer que eu estava morto e vivo em momentos sucessivos. Dentro, fora. Dentro, fora, morto, vivo. Há pessoas que chamariam a isso um período interessante.


Harold Pinter, Os Anões

não é noite nem manhã

Seja noite escura ou haja luz, não há nenhuma obstrução. Tenho a minha cela. Tenho o meu compartimento. Está tudo organizado, tudo no seu lugar, não se cometeu nenhum erro. Estou aconchegado. Não há nenhum esconderijo. Não é noite nem manhã. Não há nenhuma armadilha, apenas esta postura, entre dois estranhos, aqui está o meu dispositivo, aqui está a minha instalação, quando estou em casa, quando estou só, não é preciso combinar, tenho os meus aliados, tenho os meus objectos, tenho o meu gato, tenho o meu tapete, tenho o meu território, isto é o meu reino, não há traição, não há confiança, não há viagem, ninguém fura o meu flanco.


Harold Pinter, Os Anões

blue mess



Eternal Sunshine of the Spotless Mind, Michel Gondry, 2004

uma luz que parece velada ou distorcida

Os pedaços da vida, o papel rasgado e o cordel com que se fez o embrulho, transformaram-se em anos e os anos em passado. Sabes que há uma luz a alumiar-te, atrás de ti, mas não é suficientemente brilhante para iluminar tudo por que no passado esperaste. É uma luz que parece velada ou distorcida por um tecido desconhecido. Muito do que foi para ti uma sólida muralha de convicções deixou de te aparecer, agora, nas noites más ou na doença ou tão só na fraqueza, como uma coisa a que possas encostar-te. E então quase nem consegues encontrar o teu lugar no tempo. Tudo quanto jurarias que aconteceu, só o voltarás a encontrar se tiveres a energia necessária e fores capaz de cavar com força, e isso faz dores nos pés e nas costas, e tens medo de nem sempre haver lá no fundo algo que encontrar.


Lillian Hellman, Talvez

na erva alta do verão

No meu caso, esqueci-me muitas vezes do que era importante, do que me importava mais, do que me fez tomar atitudes que alteraram a minha vida. E então, com o tempo, as pessoas e as razões perderam-se na erva alta do Verão. Tenho tentado explicar isto muitas vezes às pessoas que ficam sentidas por me esquecer delas mas elas não compreendem nem eu ouso esperar que compreendam. Não é agradável os outros esquecerem-se de nós. Hoje isso já não me afecta assim tanto, mas alterou a vida e levou consigo pedaços de coisas em que acreditava e que gostaria de ter outra vez.


Lillian Hellman, Talvez

faltam muitas peças

Estendi-me durante um bocado e penso que adormeci, porque, quando acordei, o mundo parecia ter desaparecido. Estava com uma disposição que não tem nome pois não é disposição nenhuma mas aquele desespero enorme que leva as pessoas doidas a matar gatos ou a asfixiar bebés que choram.
Não sei. Desci ao rés-do-chão, fiz café, bebi-o e peguei no telefone.
Não sei por que escolhi o Carter Cameron. Mas mandei este telegrama para o número dele, que é a única maneira de o enviar:

                              FALTAM MUITAS PEÇAS TANTO NO TEMPO
                              COMO NO ESPAÇO NÃO FAZ MAL EXCEPTO
                              SE ME DIZ RESPEITO MAS QUANDO ME DIZ
                              RESPEITO DESEJO QUE NÃO SEJAM PRETAS
                              O MEU INSTINTO REPITO INSTINTO REPITO
                              INSTINTO REPITO INSTINTO É QUE AS TUAS
                              SÃO PRETAS


Lillian Hellman, Talvez

indispensável era evitar ter-te


Dizia que ao chegar se olhares e me não vires
nada penses ou faças vai-te embora
eu não te faço falta e não tem sentido
esperares por quem talvez tenha morrido
ou nem sequer talvez tenha existido


Ruy Belo
Poemas de Ruy Belo ditos por Luís Miguel Cintra

you hurt as hell

© Akuma Aizawa

com unhas e dentes

Estar vivo
é abrir uma gaveta
na cozinha,
tirar uma faca de cabo preto,
descascar uma laranja.

Viver é outra coisa:
deixas a gaveta fechada
e arrancas tudo
com unhas e dentes,
o sabor amargo da casca,
de tão doce,
não o esqueces.


Luis Filipe Parrado, ENTRE A CARNE E O OSSO

time wasting experiments

© Alyson Provax, Time Wasting Experiments

three transitions

Three Transitions, Peter Campus, 1973

poema

Tua boca
é um dia estreito
cheio de moscas

De noite
tem a cor azul-verde
dum veneno
como o mar.


Pedro Oom, Perfecto E. Cuadrado, A Única Real Tradição Viva, Antologia da Poesia Surrealista Portuguesa

como um oceano

Tu és meu
pássaro do deserto
cinzento com mil portas
silenciosas e translúcidas.

Tu és meu
a todo o comprimento
do sol
e afogas-me como um oceano.


Artur do Cruzeiro Seixas, Perfecto E. Cuadrado, A Única Real Tradição Viva, Antologia da Poesia Surrealista Portuguesa

a meu favor

A meu favor
Tenho o verde secreto dos teus olhos
Algumas palavras de ódio algumas palavras de amor
O tapete que vai partir para o infinito
Esta noite ou uma noite qualquer

A meu favor
As paredes que insultam devagar
Certo refúgio acima do murmúrio
Que da vida corrente teime em vir
O barco escondido pela folhagem
O jardim onde a aventura recomeça.


Alexandre O'Neill, Perfecto E. Cuadrado, A Única Real Tradição Viva, Antologia da Poesia Surrealista Portuguesa

rêve oublié

Neste meu hábito surpreendente de te trazer de costas
neste meu desejo irreflectido de te possuir num trampolim
nesta minha mania de te dar o que tu gostas
e depois esquecer-me irremediavelmente de ti

Agora na superfície da luz a procurar a sombra
agora encostado ao vidro a sonhar a terra
agora a oferecer-te um elefante com uma linda tromba
e depois matar-te e dar-te vida eterna

Continuar a dar tiros e modificar a posição dos astros
continuar a viver até cristalizar entre neve
continuar a contar a lenda duma princesa sueca
e depois fechar a porta para tremermos de medo

Contar a vida pelos dedos e perdê-los
contar um a um os teus cabelos e seguir a estrada
contar as ondas do mar e descobrir-lhes o brilho
e depois contar um a um os teus dedos de fada

Abrir-se a janela para entrarem estrelas
abrir-se a luz para entrarem olhos
abrir-se o tecto para cair um garfo no centro da sala
e depois ruidosa uma dentadura velha
E no CIMO disto tudo uma montanha de ouro

E no FIM disto tudo um Azul-de-Prata.


António Maria Lisboa, Perfecto E. Cuadrado, A Única Real Tradição Viva, Antologia da Poesia Surrealista Portuguesa

de quantas facas se faz o amor

De quantas facas se faz o amor
de quantas pedras se faz o vício
de quantos homens se faz o medo
de quantas noites se faz a morte
de quantas vidas se faz uma criança
de quantas ternuras se faz o tédio
de quantas horas
será feita a esperança que guardo
com sons de corpo arrastado
de quantas grutas será feita
esta humilde nas veias
que me acordam
de quantos poros será feito o mistério
de quantos gritos será feita uma religião
de quantos ossos será feita
a maldade
de quantos crimes será feita
esta lua que mal começou
e já me deixou no hábito de apurar
os sentidos


Fernando Lemos, Perfecto E. Cuadrado, A Única Real Tradição Viva, Antologia da Poesia Surrealista Portuguesa

ainda antes de existir

Deixa-me sentar numa nuvem
a mais alta
e dar pontapés na Lua
que era como eu devia ter vivido
a vida toda
dar pontapés
até sentir um tal cansaço nas pernas
que elas pudessem voar
mas não é possível
que tenho tonturas e quando
olho para baixo
vejo sempre planícies muito brancas
intermináveis
povoadas por uma enorme quantidade
de sombras
dá-me um cão ou uma bola
ou qualquer coisa que eu possa olhar
dá-me os teus braços exaustivamente
longos
dá-me o sono que me pediste uma vez
e que transformaste apenas para
teu prazer
nos nossos encontros e nos nossos
dias perdidos e achados logo em
seguida
depois de terem passado
por uma ponte feita por nós dois
em qualquer sítio me serve
encontrar o teu cabelo
em qualquer lugar me bastam
os teus olhos
porque
sentado numa nuvem
na lua
ou em qualquer precipício
eu sei
que as minhas pernas
feitas pássaros
voam para ti
e as tonturas que a planície me dá
são feitas por nós
de propósito
para irritar aqueles que não sabem
subir e descer as montanhas geladas
são feitas por nós
para nunca nos esquecermos
da beleza dum corpo
cintilando fulgurantemente
para nunca nos esquecermos
do abraço que nos foi dado
por um braço desconhecido
         nós sabemos
              tu e eu
que depois de tudo
apenas existem os nossos corpos
rutilantes
até se perderem no
limite do olhar
dá-me um cigarro
mesmo que seja só um
já me basta
desde que seja dado por ti
mas não me leves
não me tires
as tonturas que eu teria
que eu terei
sempre que penso cá de cima
duma altura vertiginosa
onde a própria águia
nada mais é que um minúsculo
objecto perdido
onde a nuvem
mais alta de todas
se agasalha como um cão de caça
leva-me a recordação
apenas a recordação
da vida martelada
que em mim tem ficado
como herança dada há mil e
duzentos anos

deixa que eu fique
muito afastado
silencioso
e único
no alto daquela nuvem
que escolhi
ainda antes de existir


Mário-Henrique Leiria, Perfecto E. Cuadrado, A Única Real Tradição Viva, Antologia da Poesia Surrealista Portuguesa

7

Neste dia meu amor
os meus dedos são o candelabro que te ilumina
o único existente.

E o homem
sua esfera perdida em mãos alheias
é o objecto de malabarismo
o insecto
voltejando cega a luz que lhe irradiam
o límpido cristal corrompido
o defunto.

E este patíbulo onde o próprio carrasco se enforcará
eu o digo
será erguido como símbolo de todos os homens.

Aqui a hora vai sendo longínqua meu amor e solene.
O caminho é grande o tempo tão pouco
tenhamos muita esperança e muito ódio
e vítreas flores a ornar o teu cabelo
porque serei o homem para as transportar
e tu a última mulher que as aceitará.

E enquanto assim for
erguer-se-á a nuvem de múltiplas estrelas
a nebulosa
que dizem estar a milhões de anos-luz
mas não acreditemos bem o sabes
porque em verdade a temos em nossas próprias mãos
oculta para a contemplarmos agora.


Carlos Eurico da Costa, Perfecto E. Cuadrado, A Única Real Tradição Viva, Antologia da Poesia Surrealista Portuguesa

O TRABALHO DAS NOSSAS MÃOS

EU ERA NOVO E TU SIMULAVAS.
TARDES IMÓVEIS Â PORTA DO NOSSO MEDO NAS MAIS
DIFÍCEIS EM QUE TE
OCUPAVAS COM GESTOS E UMA INVENCÍVEL ENTREGA TE

FAZIA INVEJAR AS CHA-
MINÉS E OS SEUS FUMOS.
TU, O TEU SANGUE CRESPUSCULAR, DISSOLVIA O MEU
REMORSO DE TER NASCIDO E
DISSOLVIA O PEZ QUE OS OUTROS COLAVAM AO NOSSO
CORPO.
O TEU GESTO DE MOLHAR A LUZ NA TUA PELE DISFARÇAVA
COM CUIDADO QUAL-
QUER ASA DE PECADO.      
O NOSSO RECEIO NÃO ERA JÁ DAS CINZAS QUE NOS APOU-
CAM. A LIMPIDEZ DO CÉU,
TRABALHO DAS NOSSAS MÃOS, ENTREABRIRA-TE OS LÁBIOS
DOUTRA SEDE, PERMA-
NENTE COMO A CHUVA.

EU ERA NOVO E TU SIMULAVAS OS MEUS DEDOS DESFO-
LHANDO-SE.
PORQUE O NOSSO PESO ERA DE SÍMBOLOS, DECIDISTE
CRIAR OUTROS.
A DORMIR REFIZEMOS OS NOSSOS FRUTOS DE ALEGRIA E
NUNCA NINGUÉM NOS IM-
PORTUNOU COM TARJAS TRISTES À NOSSA PORTA. A VIVER
REFIZEMOS AS COISAS E
O SEU GUME, NA EVIDÊNCIA DO QUE EXISTE.
DESPIAS SORRIDENTE, DESLUMBRADA, AQUELE QUÊ DE
AUSENTE NA CARNE DAS
ESTÁTUAS, E NADA QUE NÃO FOSSE EXACTO TURBAVA OS
TEUS OLHOS. A TERRA
ABRIA-SE PARA A CHUVA ENQUANTO A SEMENTE DO DIA
ENTRAVA NO BICO DOS
PÁSSAROS. HAVIA UM GESTO DE ELEVAÇÃO.

EU SIMULAVA VER UM BARCO INCENDIADO, UM MAR DE
LIXÍVIA A ARDER E AS REN-
DAS DA NOITE CREPITANDO. OUVES AINDA O RUMORDAS
ESTRELAS DE QUE, NOS
DECLIVES, DEPENDIAM NOSSOS PASSOS? UM PEDESTAL DE
ÓCIO SUSTINHA AS ES-
TÁTUAS DO VALE, INERTES DE DESTERRO, TODAS DE ROSTO
SEMELHANTE, EXISTIN-
DO DE AUSÊNCIA ERGUIDA.
NESSA HORA O LINHO QUE NOS COBRIA TINHA QUALQUER
COISA DE FEROZ E RECLA-
MAVA SANGUE.
O BRANCO ENSINOU-NOS A ESPADA. A ESPADA A CORAGEM
DE A SABER INÚTIL.
UM DIA DISSESTE A FITAR OS OLHOS DE IMENSAS COISAS -
QUE AO MENOS NOS
SALVEMOS NÓS! - DÓI-ME O CORPO DE ESPERAR...


António Dacosta, Perfecto E. Cuadrado, A Única Real Tradição Viva, Antologia da Poesia Surrealista Portuguesa

bom e expressivo

Acaba mal o teu verso,
mas fá-lo com um desígnio:
é um mal que não é mal,
é lutar contra o bonito.

Vai-me a essas rimas que
tão bem desfecham e que
são o pão de ló dos tolos
e torce-lhes o pescoço,

tal como o outro pedia
se fizesse à eloquência,
e se houver um vossa excelência
que grite: — Não é poesia!,

diz-lhe que não, que não é,
que é topada, lixa três,
serração, vidro moído,
papel que se rasga ou pe-

dra que rola na pedra...
Mas também da rima «em cheio»
poderás tirar partido,
que a regra é não haver regra,

a não ser a de cada um,
com sua rima, seu ritmo,
não fazer bom e bonito,
mas fazer bom e expressivo...


Alexandre O'Neill, De Ombro na Ombreira

amanhã aconteceu

Que é notícia?

Um hoje que nunca é hoje,
um amanhã que é já ontem
entre ontens que se perdem
no anteontem dos anos
no tresantontem dos lustros...

Que é notícia?

Amanhã acontecido,
notícia é sempre um depois,
é um a viver vivido...

Que é notícia?

Notícia é devoração!
Aí vai ela pela goela
que há-de engolir tudo e todos!
Aí vai ela, lá foi ela!

Nem trabalho de moela
retém notícia...

Notícia sem coração!

Que é notícia?

Cão perdeu-se! Por que não?
Cão achou-se! Ainda bem!
Ainda melhor, por sinal,
se o cão perdido e o achado
forem um só e o mesmo
«lidos» no mesmo jornal!

Que é notícia?

Damos notícia um ao outro
do nosso interesse comum.
Fui Cavalheiro amanhã.
Ontem Senhora serás.
Como eu não há nenhum!...

Que é notícia?

Quando o primeiro tortulho
se abre no céu (silhueta
que em símbolo se tornará)
onde estou, estouvava eu?
Estava com a tia Henriqueta...

Que é notícia?

Fechada para balanço,
tia Queta dormitava.
Com a folhinha nos joelhos,
do tortulho, que treslera,
já em feto se engelhava...

Que é notícia?

Das convulsões deste mundo
dava meu pai a versão:
- Ailitla por toda a Europa...
O guarda-roupa, meu filho,
varia, a tragédia não...

Que é notícia?

O bom do velhote ia
na terceira dentição...

Que é notícia?

Alcatruz que se abalança
a tornar à sua água?
Já o de Éfeso sabia:
não se molha duas vezes
o lenço na mesma mágoa...

Que é notícia?

Notícia em primeira mão
na minha mão infantil:
o papagaio empinado
no claro céu da manhã,
meu jornal publicado
por cima de tanto afã...

Mas terá sido notícia?

Que é notícia?


Alexandre O'Neill, De Ombro na Ombreira

this mess we're in

Fallen Angels, Kar Wai Wong, 1995

Z

As formas as sombras, a luz que descobre a noite
e um pequeno pássaro

e depois longo tempo eu te perdi de vista
meus braços são dois espaços enormes
os meus olhos são duas garrafas de vento

e depois eu te conheço de novo numa rua isolada
minhas pernas são duas árvores floridas
os meus dedos uma plantação de sargaços

a tua figura era ao que me lembro da cor do jardim.


António Maria Lisboa, Poesia

uma vida extrema

Para o Mário Cesariny

Moveu-se o automóvel - mas não devia mover-se
não devia!

Ontem à meia-noite três relógios distintos bateram:
primeiro um, depois outro e outro:
o eco do primeiro, o eco do segundo, eu sou o eco do terceiro

Eu sou a terceira meia-noite dos dias que começam
Pregões de varina sem peixe
- o peixe morreu ao sair da água
e assim já não é peixe

Assim como eu que vivo uma VIDA EXTREMA.


António Maria Lisboa, Poesia

projecto de sucessão

Continuar aos saltos até ultrapassar a Lua
continuar deitado até se destruir a cama
permanecer de pé até a policia vir
permanecer sentado até que o pai morra

Arrancar os cabelos e não morrer numa rua solitária
amar continuamente a posição vertical
e continuamente fazer ângulos rectos

Gritar da janela até que a vizinha ponha as mamas de fora
pôr-se nu em casa até a escultora dar o sexo
fazer gestos no café até espantar a clientela
pregar sustos nas esquinas até que uma velhinha caia
contar historias obscenas uma noite em família
narrar um crime perfeito a um adolescente loiro
beber um copo de leite e misturar-lhe nitro-glicerina
deixar fumar um cigarro só até meio
Abrirem-se covas e esquecerem-se os dias
beber-se por um copo de oiro e sonharem-se Índias.


António Maria Lisboa, Poesia

fim

De repente ficam só os chafarizes
num topo e noutro da praça.
Está declarado o fim da cerimónia,
uma série de pequenos desastres,
todos ordenados de algum modo.

Ninguém faria nada se soubesse
o que o espera. Pudéssemos ao menos
corrigir um pouco a noite, salvar um pouco
o dia, levar para casa uma mala cheia disto,
esquecer as regras e começar do zero,
antes que a úlcera volte a sangrar.

Põe a manhã à cabeça da lista.
Segura-te a qualquer coisa. O salto
do comboio em movimento.


Vítor Nogueira, Mar Largo

dança

A conversa é sobre quem somos
e o que queremos. Não devíamos brincar assim
com facas. De onde vêm estes homens?
Por que fazem estes gestos?

Às vezes a vida é uma dança estruturada.
Tipos que nos deixam aproximar um pouco mais
cada dia que passa. Nunca sabemos
qual deles se vai abaixo a seguir. E onde.

Enquanto a dança vai e vem, escondemos o medo
com isto: fragmentos das nossas memórias,
energia fornecida à tempestade,
o cheiro a tabaco retardado.


Vítor Nogueira, Mar Largo

geologia

Às vezes são homens de bem
empurrados para esta vida,
resquícios da erosão da montanha,
paisagens antigas
enterradas sob o gelo.

Nada está garantido
numa geologia tão frágil. Este chão
pode virar-se sem aviso.
Ainda assim, sejam bem-vindos,
fiquem tristes à vontade.


Vítor Nogueira, Mar Largo

a cal, o amor, o meu peito, o coração

A cal,
o amor
guardado para os mortos,
dissolvente perfeito
da tua solidão
descarnada
em meu peito,
a cal,
o coração.


Carlos de Oliveira, TRABALHO POÉTICO

a poesia que te diga

Os versos
que te digam
a pobreza que somos
o bolor nas paredes
deste quarto deserto
os rostos a apagar-se
no frémito
do espelho
e o leito desmanchado
o peito aberto
a que chamaste
amor.


Carlos de Oliveira, TRABALHO POÉTICO

o apocalipse da esperança

Juro pelos meus olhos
que te venho pedir
o apocalipse da esperança:

a carícia da peste, as patas dum cavalo,
o incêndio duma lança;

os dentes arrancados à cárie da fome;
a dolorosa guerra

nos túmulos dos mortos
e dos vivos sem nome.


Carlos de Oliveira, TRABALHO POÉTICO

a geometria imposta do quarto

Aceito a ordem
das coisas, a geometria
imposta do quarto?
Os objectos no
seu lugar de sempre,
a distância exacta
da cadeira à mesa,
do meiple à janela?
O sono do tapete?
O universo diário
do quarto alugado,
as molduras que
cercam, resguardam
naturezas mortas,
paisagens imóveis?
Aceito a minha vida?
Ou mexo no candeeiro,
desvio-o alguns centímetros
na mesa, altero
as relações das coisas,
afinal tão frágeis
que o simples desvio
dum objecto pode
romper o equilíbrio?
Pego no telefone
e grito ao primeiro
desconhecido: ouves-me?
Ou deixo tudo
tal como está,
medido, quieto
no rigor do quarto,
e eu hesitante
entre o soalho e o tecto?
Desloco o cinzeiro
sabendo que posso
matar mandarins,
provocar cataclismos,
fracturas, amores,
eclipses, sonhos,
com a ponta dum dedo?
Ou apago a lâmpada
eléctrica e entro
no mesmo torpor
que as flores do tapete,
a fruta dos quadros,
o frio, o bolor,
no chão, nas paredes,
o poema na mesa,
a mesa no espaço
do quarto comprado
mês a mês? Confundo
o aluguer e o tempo,
deixo-me ser
em cada milímetro,
em cada segundo,
do quarto, da vida,
o outro objecto
chamado inquilino?
Ou desencadeio
a insurreição
mudando de sítio
o meiple, a cadeira,
mudando-me a mim?


Carlos de Oliveira, TRABALHO POÉTICO

sobre o lado esquerdo

De vez em quando a insónia vibra com a nitidez dos sinos, dos cristais. E então, das duas uma: partem-se ou não se partem as cordas tensas da sua harpa insuportável. No segundo caso, o homem que não dorme pensa: «o melhor é voltar-me para o lado esquerdo e assim, deslocando todo o peso do sangue sobre a metade mais gasta do meu corpo, esmagar o coração.»


Carlos de Oliveira, TRABALHO POÉTICO

OLHAS PARA MIM,

um punhado de ossos
arrumado num saco de plástico preto,
dor e pedagogia, papo seco
agarrado a uma lembrança.

Tens nojo do contorno oleoso
que o meu cabelo dá ao teu passado.
Acusas-me de misturar whisky com coca-cola.
Queres os livros de volta.

Está tudo certo.
Mas deverias ter medo,
sei lá, apanhar uma doença qualquer,
alimentar um próspero tumor.

Com esta caneta,
esventrei príncipes e porcos
acreditando que era com a barriga que pensavam.
Sonhei de mais. Jurei em falso.
O horizonte fechou-se,
lentamente,
como uma cicatriz do espaço.
O sol e a melancolia
fazem crescer agora, à minha volta,
um girassol de chumbo.
O verão
insiste em amadurecer na minha pança,
as suas abóboras para pintar.
Tudo certo.
Aguardo hoje em paz - não é assim que se faz? -
a alegria da reforma,
como o alívio estrondoso de uma catástrofe,
sentado e bêbado,
ou apenas quieto e envergonhado,
no topo de um poste de electricidade.

Ao longe, as luzes da marginal
tiritam uma ópera astral,
enquanto o mijo me aquece as pernas
O que posso fazer, Gabi?
Sou um pássaro noctívago,
tenho os olhos maiores que o meu cérebro.


Golgona Anghel, COMO UMA FLOR DE PLÁSTICO NA MONTRA DE UM TALHO

é sábado e eu

Acordo em forma de cubo de gelo.
A minha cabeça é uma cúpula de cristal,
onde o Mourinho decidiu introduzir
no último minuto do jogo,
uma vuvuzela.
No intervalo, sou levada num trenó
por uma horda de cães da Sibéria.
Perco um chinelo pelo caminho.
Fico sem bateria no telemóvel.
E no momento preciso em que consigo,
por fim, segurar as rédeas
e encontrar um horóscopo
no bolso do pijama,
resolvem tocar à campainha e fico
minutos a fio a tentar perceber
como é que funciona o raio do intercomunicador.
Passo o ponto alto do dia agarrada aos botões,
sem saber, no fim, o que é que queriam:
a leitura do gás ou a dica da semana.


Golgona Anghel, COMO UMA FLOR DE PLÁSTICO NA MONTRA DE UM TALHO

daqui ninguém sai com fome

EM VEZ DE CONTINUAREM A CUSPIR,
enxaguem a baba,
metam os sapatinhos de vela
o colarinho branco,
e olhem fixamente para a câmara:
podem dizer mal de mim,
mas sorriam.
Não desperdicem
as últimas três gotas de Chanel nº 5
que o ódio vos borrifou nos pulsos.
Usem sempre as melhores cartas,
citem-me,
sejam lordes quando espetam a navalha.

Eu sei quem são,
conheço o vosso cheiro.
Eu também ganho as minhas medalhas
em lares, creches e hospitais.
Podem, se quiserem,
ir ao céu,
mas isso não implica que encontrem Deus.

Agora não façam de mim
este bicho exótico
apanhado, de surpresa,
enquanto preparava um cocktail
molotov no penico
do seu habitat natural.
Não me cortem as garras,
nem me domestiquem a cama.
Se não conseguem encontrar a saída,
se acertaram em cheio,
neste buraco vazio,
fiquem e lavem-se!
Daqui ninguém sai com fome.


Golgona Anghel, COMO UMA FLOR DE PLÁSTICO NA MONTRA DE UM TALHO

como será a tua cara hoje

O desastre gosta de tomar
a forma das tuas pernas
para envolver-me melhor.

Reparo nas minhas unhas roídas nos cantos,
na pele infectada,
nos dentes amarelados,
no lixo acumulado no quarto
e pergunto-me:
como será a tua cara hoje,
enquanto o teu cabelo liso e louro
continua a tecer-me um casulo dourado
desde a altura do Natal,
dentro da minha arca congeladora?


Golgona Anghel, COMO UMA FLOR DE PLÁSTICO NA MONTRA DE UM TALHO

como se me tivesse despistado

(...)

Acontece-me isto com Onetti, digo-te,
ponho-me a falar de literatura,
quero ser o papagaio de Flaubert,
a anaconda de Saint-Exupéry,
ou, ao menos, o cordeiro de Jan van Eyck.
Mas de cordeiros estão os céus e os supermercados cheios.

Invento, por isso, um território comercial um pouco mais original,
actualizo os equipamentos,
gravo o texto de atendimento ao público.
Preparo-me para ser um autómato,
esta máquina de vender cigarros na pastelaria da tua esquina.
Nem acredito que tenhas passado por aqui,
sua vadia,
e não tenhas metido nenhuma moeda
na minha boca.


Golgona Anghel, COMO UMA FLOR DE PLÁSTICO NA MONTRA DE UM TALHO

annabel lee

O REMOTO REI DOS CORVOS,
Edgar Allan Poe,
deixa cair do seu bico,
no centro de uma biblioteca,
os restos de uma musa.
Cansados de tanta melancolia,
os ratos montam à sua volta um circo.

«Annabel Lee», «Annabel Lee»,
guincham os bichos,
repartindo os ossos entre si.

Mostram os dentes,
esticam-lhe a pele.
Sabem que o poema
não tem outro precursor
a não ser a fome,
nem outro seguidor
a não ser o crime


Golgona Anghel, COMO UMA FLOR DE PLÁSTICO NA MONTRA DE UM TALHO

loneliness

Há refrões que não são fáceis de aprender:
Here comes loneliness.
Foi essa, desde o início, a nossa história.

Que passos te levam
ou não levam agora aos mesmos
bares, a portas fechadas,
àqueles de quem nem pudeste despedir-te?

Procuras uma resposta,
a forca simples de um olhar.
Mas é demasiado tarde,
canções

que fingindo a vida nos sepultam.


Walkmen, José Miguel Silva e Manuel de Freitas

so goodnight

Não posso dizer que tenha aprendido grande coisa
nos últimos, digamos, duzentos anos.
Há muitas perguntas que vão perdendo altura
à medida que as penas tombam e também
as garras já não prendem como soíam.
Depois de ter visto de que palha são enchidos
os príncipes felizes, já não saio de casa
sem levar comigo uma carteira de fósforos.
Agora tenho mais tempo morto, só de cinco
em cinco anos compro uma pilha nova
para o relógio. Em vez de cortar os pulsos
cortei a linha do telefone. Já não acordo de noite
para lhe perguntar porque não tocas.
E o que mais me custa, no fim de contas,
é dar razão a Confúcio quando afirma:
quanto mais te ergues para Deus mais ele
de ti se afasta, deixando-te sozinho
a arrumar a casa. Mas estes chineses,
na filosofia moral como no ténis de mesa,
acabam sempre por levar a taça,
e por esta altura da minha queda já concedo
que seja o silêncio a condição natural
para uma ave sem nome que Setembro chamou

e que há duzentos anos não aprende nada.


Walkmen, José Miguel Silva e Manuel de Freitas

no way back

«Como sair daqui?» Perguntas bem, amigo.
Diógenes diria «à catanada, vivamente»,
Lichtenberg «à gargalhada», se o conheço.
Thomas Bernhard proporia «num rectângulo
de tábuas» e Machado que o caminho de saída
se descobre ao caminhar. Beckett é provável
que dissesse «rastejando».
Diderot aventaria
«pela rua do liceu», Tcheckov «pela viela
mais escura, à tua esquerda». Séneca diria,
muito sonso, «pelo passeio das Virtudes»,
Vaneigem «pelo jardim das Belas-Artes».
Bashô responderia (e eu com ele) «é muito cedo,

fica mais um pouco, ainda há vinho na garrafa».


Walkmen, José Miguel Silva e Manuel de Freitas

victims of the dance

Era antes da Internet: um recanto
do Blitz onde se expunham ou partilhavam
(des)prazeres, um improvisado conjunto
de referências que nos pudesse
aproximar de alguém,
nem que fosse de nós próprios.

Estávamos, como sempre, demasiado sós,
entregues a províncias e desgostos
incomuns, mesmo quando batiam certo
os nomes, os sinais de alarme que
- entre ninguém e ninguém -
desbravavam uma espécie de caminho.

Conheci, em suma, dezenas de pessoas.
Às cartas seguia-se fatalmente o rosto,
surpresa por vezes dolorosa (outras vezes não).
Ninguém, de qualquer modo, queria ser ninguém.
Antes presentes ou futuros poetas, romancistas,
compositores, artistas plásticos, timoneiros.

Se nenhum deles, a acreditar no Google, deixou cadastro
cultural foi porque a vida, ou nem sequer a vida,
sabotou as adolescências de que fui breve testemunha.
E não ignoro que este vestígio incerto vale menos
do que o silêncio com que me escreviam

há quase vinte anos. Quando não havia e-mail.


Walkmen, José Miguel Silva e Manuel de Freitas


«Nada nos salva desta porra triste.»

Jorge de Sena

my love what shall I do if you die?

© Niki de Saint Phalle 

I shall buy a beautiful dress and mourn over you
I shall cry a lake of tears
I shall build you a fantastic monument for your tomb
and then I shall look for someone new

a incompreensão dos dias da corja

olha como é a injustiça que te atira à sarjeta
passam-te três carros e meio por cima
e ainda te levantas com um sorriso
aprendeste a coxear em tom sexy
só à espera desse instante
depois segues toda mulher, disfarçada
em ligaduras de primeiro grau

seguirás em frente com os princípios e
os fins

serás refeita e praticada universalmente,
como uma bíblia,
nesta cozinha onde sugas as lágrimas
a lavar a loiça com palha de aço


Cláudia R. Sampaio, OS DIAS DA CORJA, do lado esquerdo

atropelamento

Quando eles dizem
"morreu rebentada por dentro"
querem dizer
que o coração se moveu do esquerdo
ao lado direito do peito
que o impacto se sentiu no pulmão
onde o coração entrou e ficou escondido
palpável à língua
Que o fígado acidulado por um último jantar
se lançou em espuma contra as costas
e negra da noite ao avesso
a caixa torácica perdeu o abaule
o orgulho
as flores como pétalas de osso quebraram
por todo o dentro de cinco sentidos
Em todo o caso o corpo
ficou incólume
sentado na estrada
desviado apenas do lugar
onde esteve o baque da alma


Andreia C. Faria, Flúor

FIRST KISS

FIRST KISS, Tatia Pilieva for WREN, 2014

eu fujo da vida

Os sentimentos atrasam,
as paixões atrasam,
as instituições atrasam,
está tudo a mais, nesse demais sempre a pesar sobre a existência, ela própria uma ideia a mais

(...)

Porque sou eu quem fere e destrói, parte, dá,
escolhe, decide, reparte,
e todo o corpo é inanimado,
na origem absolutamente inanimado,
e não há corpo nem espírito,
qualquer apelo errante de vida,
nada a não ser o silêncio e a morte
tuberosa da meia-noite,
revista de antes, da outra vida,
mas por agora acabou-se,
o peso caído do impossível
que pesa aí dia e noite
já não pesará mais antes de entrar
a inenarrável cacofonia
dos seres em perpétua insurreição
enfrentados por aquele que parte, dá e reparte.
Eu não reparto, eu fujo
da vida.


Antonin Artaud, trad. Ernesto Sampaio

tua alma o um que são dois quando dois são um


Lavoisier, Pessoa

Porta pra tudo!
Ponte pra tudo!
Estrada pra tudo!
Tua alma omnívora,
Tua alma ave, peixe, fera, homem, mulher,
Tua alma os dois onde estão dois,
Tua alma o um que são dois quando dois são um,
Tua alma seta, raio, espaço,
Amplexo, nexo, sexo, Texas, Carolina, New York,
Brooklyn Ferry à tarde,
Brooklyn Ferry das idas e dos regressos,
Libertad! Democracy! Século vinte ao longe!
Pum! pum! pum! pum! pum!
PUM!


 Fernando Pessoa, Saudação a Walt Whitman

do not love too long

Sweetheart, do not love too long:
I loved long and long,
And grew to be out of fashion
Like an old song.

All through the years of our youth
Neither could have known
Their own thought from the other's,
We were so much at one.

But O, in a minute he changed --
O do not love too long,
Or you will grow out of fashion
Like an old song.


William Butler Yeats

une femme est une femme

Tu ne serais pas une femme
Si tu ne savais pas si bien
Te faire et te refaire une âme,
Une âme neuve avec un rien.
A ce jeu ta science est telle
Que, chaque fois que je te vois,
Tu fais semblant d’être nouvelle,
Et j’y suis pris toutes les fois.
Tu sais qu’à la fin tout s’use,
Que notre amour est déjà vieux,
Alors tu triches, tu ruses,
Tu viens avec d’autres yeux,
Tu rajeunis sous des fourrures
L’éclat trop prévu de ta peau,
Tu renais d’un satin, revis d’une guipure…
Et puis, il y a tes chapeaux!
Je crois découvrir en toi quelque chose
De plus grave, de plus profond.
Et c’est tout simplement à cause
D’un de ces grands chapeaux qui font
Les yeux plus noirs, les joues plus roses
Et qui cachent si bien les fronts!
Ainsi tu sais, femme mille fois femme,
Dès que tu sens mon amour las,
Te composer un parfum d’âme
Que je ne te connaissais pas.
Alors, amoureux, je saccage
Tes lèvres de baisers nerveux.
Je prends dans mes mains ton visage
Et je rebrousse tes cheveux.
Je ris, je suis heureux, je t’aime…
Mais quand j’ai défait les chiffons
Et trouvé tes vrais yeux au fond,
Je vois bien que ce sont les mêmes!
Lorsqu’enfin je tiens dans mes doigts
Sous tes cheveux ta tête nue,
Tristement déçu, je revois
Ton front de la dernière fois:
C’est toujours toi
Qui continues…
Je tâche en vain sous mes baisers
De ranimer l’âme éphémère.
C’est fini. Le charme est brisé.
Et tu ressembles à ta mère.


Paul Géraldy, Toi et Moi

para el fin del mundo

the rich man's frug

Sweet Charity, Bob Fosse, 1969

then you read a book

You live like this, sheltered, in a delicate world, and you believe you are living. Then you read a book… or you take a trip… and you discover that you are not living, that you are hibernating. The symptoms of hibernating are easily detectable: first, restlessness. The second symptom (when hibernating becomes dangerous and might degenerate into death): absence of pleasure. That is all. It appears like an innocuous illness. Monotony, boredom, death. Millions live like this (or die like this) without knowing it. They work in offices. They drive a car. They picnic with their families. They raise children. And then some shock treatment takes place, a person, a book, a song, and it awakens them and saves them from death. Some never awaken.


Anaïs Nin, The Diary of Anaïs Nin, Vol. 1

ai senhor victor, o mundo é tão grande

se eu fosse um vídeo

poemário daqui

A. M. Pires Cabral Abel Neves Adolfo Casais Monteiro Adília Lopes Agustina Bessa-Luís Al Berto Albano Martins Alberto Pimenta Alexandra Malheiro Alexandre Nave Alexandre O'Neill Alice Turvo Alice Vieira Almada Negreiros Américo António Lindeza Diogo Ana Bessa Carvalho Ana C. Ana Caeiro Ana Cristina César Ana Duarte Ana Hatherly Ana Luísa Amaral Ana Marques Gastão Ana Martins Marques Ana Paula Inácio Ana Salomé Ana Tecedeiro Ana Teresa Pereira Ana Tinoco Andreia C. Faria André Tomé Angélica Freitas António Amaral Tavares António Botto António Dacosta António Franco Alexandre António Gancho António Gedeão António Gregório António José Forte António Manuel Pires Cabral António Maria Lisboa António Mega Ferreira António Osório António Pedro António Quadros Ferro António Ramos Pereira António Ramos Rosa António Rebordão Navarro António Reis António S. Ribeiro Aníbal Fernandes Armando Baptista-Bastos Armando Silva Carvalho Artur do Cruzeiro Seixas Bruno Béu Bruno Sousa Villar Bénédicte Houart Camilo Castelo Branco Camilo Pessanha Carlos Alberto Machado Carlos Bessa Carlos Eurico da Costa Carlos Mota de Oliveira Carlos Poças Falcão Carlos Soares Carlos de Oliveira Casimiro de Brito Catarina Nunes de Almeida Cesário Verde Cláudia R. Sampaio Cruzeiro Seixas Daniel Faria Daniel Filipe David Mourão-Ferreira David Teles Pereira Delfim Lopes Dulce Maria Cardoso Eastwood da Silva Eduarda Chiote Egito Gonçalves Ernesto Sampaio Eugénio Lisboa Eugénio de Andrade Fernando Assis Pacheco Fernando Esteves Pinto Fernando Lemos Fernando Pessoa Fernando Pinto do Amaral Fiama Hasse Pais Brandão Filipa Leal Filipe Homem Fonseca Florbela Espanca Frederico Pedreira Golgona Anghel Gonçalo M. Tavares Helder Moura Pereira Helena Carvalho Helga Moreira Henrique Manuel Bento Fialho Henrique Risques Pereira Herberto Hélder Hélia Correia Inês Dias Inês Fonseca Santos Inês Lourenço Isabel Meyrelles Joana Morais Varela Joana Serrado Joaquim Manuel Magalhães Joaquim Pessoa Jorge Carrera Andrade Jorge Gomes Miranda Jorge Melícias Jorge Roque Jorge Sousa Braga Jorge de Sena José Agostinho Baptista José Alberto Oliveira José Amaro Dionísio José António Franco José Cardoso Pires José Carlos Barros José Carlos Soares José Efe José Gomes Ferreira José Manuel de Vasconcelos José Miguel Silva José Mário Silva José Pascoal José Ricardo Nunes José Rui Teixeira José Saramago José Sebag José Tolentino Mendonça João Almeida João Bénard da Costa João Cabral de Melo Neto João Camilo João Damasceno João Ferreira Oliveira João Habitualmente João Luís Barreto Guimarães João Maia João Manuel Ribeiro João Miguel Henriques João Pacheco João Pereira Coutinho João Rodrigues João Vasco Coelho Judith Teixeira Leitão de Barros Leonor Castro Nunes Luiza Neto Jorge Luís Miguel Nava Luís Quintais Madalena de Castro Campos Mafalda Gomes Manuel A. Domingos Manuel António Pina Manuel Cintra Manuel Fúria Manuel Gusmão Manuel da Silva Ramos Manuel de Castro Manuel de Freitas Marcelino Vespeira Margarida Vale de Gato Maria Azenha Maria Gabriela Llansol Maria João Lopes Fernandes Maria Judite de Carvalho Maria Keil Maria Mergulhão Maria Sousa Maria Teresa Horta Maria Velho da Costa Maria do Rosário Pedreira Maria Ângela Alvim Marta Chaves Matilde Campilho Mendes de Carvalho Miguel Cardoso Miguel Martins Miguel Sousa Tavares Miguel Torga Miguel-Manso Mário Cesariny Mário Contumélias Mário Dionísio Mário Quintana Mário Rui de Oliveira Mário de Sá-Carneiro Mário-Henrique Leiria Nuno Araújo Nuno Bragança Nuno Júdice Nuno Moura Nuno Ramos Nuno Travanca Patrícia Baltazar Paulo José Miranda Pedro Jordão Pedro Loureiro Pedro Mexia Pedro Oom Pedro Santo Tirso Pedro Sena-Lino Pedro Tamen Pedro Tiago Piedade Araujo Sol Raquel Nobre Guerra Raquel Serejo Martins Raul Malaquias Marques Raul de Carvalho Regina Guimarães Reinaldo Ferreira Renata Correia Botelho Ricardo Adolfo Rosa Alice Branco Rosa Maria Martelo Rui Almeida Rui Baião Rui Caeiro Rui Costa Rui Cóias Rui Knopfli Rui Lage Rui Manuel Amaral Rui Nunes Rui Pedro Gonçalves Rui Pires Cabral Rute Mota Ruy Belo Ruy Cinatti Ruy Ventura Samuel Úria Sandra Andrade Sandra Costa Sebastião Alba Soares de Passos Sofia Crespo Sofia Leal Sophia de Mello Breyner Andresen Sílvio Mendes Tatiana Faia Teixeira de Pascoaes Teresa Balté Teresa M. G. Jardim Tiago Araújo Tiago Gomes Vasco Gato Vasco Graça Moura Vítor Nogueira Yvette K. Centeno gil t. sousa valter hugo mãe Ângelo de Lima

poemário dali

A. E. Housman Abbas Kiarostami Abel Feu Adelaide Ivánova Adrienne Rich Adélia Prado Agota Kristof Al Purdy Alberto Tugues Alda Merini Aldous Huxley Alejandra Pizarnik Alejandro Jodorowsky Alexander Demidov Alfredo Veiravé Alice Walker Allen Ginsberg Amalia Bautista Amiri Baraka Amy Lowell Amy M. Homes Ana Merino André Breton Andrés Trapiello Angela Carter Anis Mojgani Anna Akhmatova Anna Kamienska Anne Carson Anne Perrier Anne Sexton Antonia Pozzi Antonin Artaud Antonio Gamoneda Antonio Orihuela Antonio Pérez Morte Antonio Sáez Delgado Arnold Lobel Arseny Tarkovsky Arthur Rimbaud Basilio Sánchez Benjamín Prado Bernard-Marie Koltès Billy Collins Boris Vian Brett Elizabeth Jenkins Brian Andreas Brian Patten Carl Phillips Carl Sandburg Carlos Drummond de Andrade Carlos Edmundo de Ory Carlos Marzal Carmen Gloria Berríos Carol Ann Duffy Cecília Meireles Cesare Pavese Charles Baudelaire Charles Bukowski Charles Dana Gibson Charles M. Schulz Chen Bolan Christoph Wilhelm Aigner Clarice Lispector Constantino Cavafy Corey Zeller Countee Cullen Cristopher Painter Cristovam Pavia Czesław Miłosz Damien Sevhac Daniel Clowes Daniel Francoy Daniel Pennac Daphne Gottlieb David Bowie David Lagmanovich David Lehman Delia Brown Delmore Schwarts Derek Walcott Derrick Brown Diamanda Galás Diane Ackerman Djuna Barnes Don Herold Dorianne Laux Dorothea Lasky Dorothy Parker Douglas Huebler Dylan Thomas E. E. Cummings E. Ethelbert Miller E. M. Cioran Edgar Allan Poe Edna O'Brien Eduarda Chiote Eduardo Bechara Eeva-Liisa Manner Egito Gonçalves Eleanor Farjeon Elie Wiesel Elis Regina Elizabeth Bishop Elizabeth Ross Taylor Else Lasker-Schuler Elsie Wood Elías Moro Emily Dickinson Emily Kagan Trenchard Erin Dorsey Eunice de Souza Fabiano Calixto Federico Díaz-Granados Federico García Lorca Fernando Arrabal Fernando Caio de Abreu Fernando Echevarría Fernando Gandra Ferreira Gular Forough Farrokhzad Francisco Madariaga Frank O'Hara Frederico Pedreira Félix Grande G. K. Chesterton Gabriel Celaya Geir Gulliksen Georges Bataille Gerrit Komrij Giovanny Gómez Giánnis Ritsos Glória Gervitz Gottfried Benn Guillaume Apollinaire Gustavo Adolfo Bécquer Gustavo Ortiz Günter Kunert H. P. 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