© Kaye Blegvad
dentro, fora, morto, vivo
- Sabias que os desconfiados e os mortos têm uma coisa em comum? São calados.
O problema, o verdadeiro problema, é que não consigo apesar de tudo convencer-me a mim próprio de que não estou espiritualmente morto. Muito francamente, as provas são esmagadoras, se essa maneira de estar morto implica a capacidade de apenas comunicar com o passado, a incapacidade de comunicar com o presente.
- Estás num beco sem saída?
- Queres dizer que não tenho potencialidades? Tenho, tenho potencialidades, claro. Sabes a impressão que me dá? É como aqueles tesouros inúteis dos galeões espanhóis afundados. Nunca mais virão à superfície. Todos os meus dias, Mark, são vividos tendo diante dos olhos o meu próprio tesouro afundado. Está no meu canto, algures. Está tudo no meu canto.
Ouve - Eu sei que o canto é uma necessidade, uma evidente partícula da vida, um todo dentro de um todo, se quiseres, mas eu sei que tenho de morrer de certo modo para sair dele. Alguma coisa tem de morrer. Pode ser que eu esteja a emergir. Não estou morto dentro dele, em todo o caso. Podes dizer que eu estava morto e vivo em momentos sucessivos. Dentro, fora. Dentro, fora, morto, vivo. Há pessoas que chamariam a isso um período interessante.
Harold Pinter, Os Anões
O problema, o verdadeiro problema, é que não consigo apesar de tudo convencer-me a mim próprio de que não estou espiritualmente morto. Muito francamente, as provas são esmagadoras, se essa maneira de estar morto implica a capacidade de apenas comunicar com o passado, a incapacidade de comunicar com o presente.
- Estás num beco sem saída?
- Queres dizer que não tenho potencialidades? Tenho, tenho potencialidades, claro. Sabes a impressão que me dá? É como aqueles tesouros inúteis dos galeões espanhóis afundados. Nunca mais virão à superfície. Todos os meus dias, Mark, são vividos tendo diante dos olhos o meu próprio tesouro afundado. Está no meu canto, algures. Está tudo no meu canto.
Ouve - Eu sei que o canto é uma necessidade, uma evidente partícula da vida, um todo dentro de um todo, se quiseres, mas eu sei que tenho de morrer de certo modo para sair dele. Alguma coisa tem de morrer. Pode ser que eu esteja a emergir. Não estou morto dentro dele, em todo o caso. Podes dizer que eu estava morto e vivo em momentos sucessivos. Dentro, fora. Dentro, fora, morto, vivo. Há pessoas que chamariam a isso um período interessante.
Harold Pinter, Os Anões
não é noite nem manhã
Seja noite escura ou haja luz, não há nenhuma obstrução. Tenho a minha cela. Tenho o meu compartimento. Está tudo organizado, tudo no seu lugar, não se cometeu nenhum erro. Estou aconchegado. Não há nenhum esconderijo. Não é noite nem manhã. Não há nenhuma armadilha, apenas esta postura, entre dois estranhos, aqui está o meu dispositivo, aqui está a minha instalação, quando estou em casa, quando estou só, não é preciso combinar, tenho os meus aliados, tenho os meus objectos, tenho o meu gato, tenho o meu tapete, tenho o meu território, isto é o meu reino, não há traição, não há confiança, não há viagem, ninguém fura o meu flanco.
Harold Pinter, Os Anões
Harold Pinter, Os Anões
uma luz que parece velada ou distorcida
Os pedaços da vida, o papel rasgado e o cordel com que se fez o embrulho, transformaram-se em anos e os anos em passado. Sabes que há uma luz a alumiar-te, atrás de ti, mas não é suficientemente brilhante para iluminar tudo por que no passado esperaste. É uma luz que parece velada ou distorcida por um tecido desconhecido. Muito do que foi para ti uma sólida muralha de convicções deixou de te aparecer, agora, nas noites más ou na doença ou tão só na fraqueza, como uma coisa a que possas encostar-te. E então quase nem consegues encontrar o teu lugar no tempo. Tudo quanto jurarias que aconteceu, só o voltarás a encontrar se tiveres a energia necessária e fores capaz de cavar com força, e isso faz dores nos pés e nas costas, e tens medo de nem sempre haver lá no fundo algo que encontrar.
Lillian Hellman, Talvez
Lillian Hellman, Talvez
na erva alta do verão
No meu caso, esqueci-me muitas vezes do que era importante, do que me importava mais, do que me fez tomar atitudes que alteraram a minha vida. E então, com o tempo, as pessoas e as razões perderam-se na erva alta do Verão. Tenho tentado explicar isto muitas vezes às pessoas que ficam sentidas por me esquecer delas mas elas não compreendem nem eu ouso esperar que compreendam. Não é agradável os outros esquecerem-se de nós. Hoje isso já não me afecta assim tanto, mas alterou a vida e levou consigo pedaços de coisas em que acreditava e que gostaria de ter outra vez.
Lillian Hellman, Talvez
Lillian Hellman, Talvez
faltam muitas peças
Estendi-me durante um bocado e penso que adormeci, porque, quando acordei, o mundo parecia ter desaparecido. Estava com uma disposição que não tem nome pois não é disposição nenhuma mas aquele desespero enorme que leva as pessoas doidas a matar gatos ou a asfixiar bebés que choram.
Não sei. Desci ao rés-do-chão, fiz café, bebi-o e peguei no telefone.
Não sei por que escolhi o Carter Cameron. Mas mandei este telegrama para o número dele, que é a única maneira de o enviar:
FALTAM MUITAS PEÇAS TANTO NO TEMPO
COMO NO ESPAÇO NÃO FAZ MAL EXCEPTO
SE ME DIZ RESPEITO MAS QUANDO ME DIZ
RESPEITO DESEJO QUE NÃO SEJAM PRETAS
O MEU INSTINTO REPITO INSTINTO REPITO
INSTINTO REPITO INSTINTO É QUE AS TUAS
SÃO PRETAS
Lillian Hellman, Talvez
Não sei. Desci ao rés-do-chão, fiz café, bebi-o e peguei no telefone.
Não sei por que escolhi o Carter Cameron. Mas mandei este telegrama para o número dele, que é a única maneira de o enviar:
FALTAM MUITAS PEÇAS TANTO NO TEMPO
COMO NO ESPAÇO NÃO FAZ MAL EXCEPTO
SE ME DIZ RESPEITO MAS QUANDO ME DIZ
RESPEITO DESEJO QUE NÃO SEJAM PRETAS
O MEU INSTINTO REPITO INSTINTO REPITO
INSTINTO REPITO INSTINTO É QUE AS TUAS
SÃO PRETAS
Lillian Hellman, Talvez
indispensável era evitar ter-te
Dizia que ao chegar se olhares e me não vires
nada penses ou faças vai-te embora
eu não te faço falta e não tem sentido
esperares por quem talvez tenha morrido
ou nem sequer talvez tenha existido
Ruy Belo
Poemas de Ruy Belo ditos por Luís Miguel Cintra
com unhas e dentes
Estar vivo
é abrir uma gaveta
na cozinha,
tirar uma faca de cabo preto,
descascar uma laranja.
Viver é outra coisa:
deixas a gaveta fechada
e arrancas tudo
com unhas e dentes,
o sabor amargo da casca,
de tão doce,
não o esqueces.
Luis Filipe Parrado, ENTRE A CARNE E O OSSO
é abrir uma gaveta
na cozinha,
tirar uma faca de cabo preto,
descascar uma laranja.
Viver é outra coisa:
deixas a gaveta fechada
e arrancas tudo
com unhas e dentes,
o sabor amargo da casca,
de tão doce,
não o esqueces.
Luis Filipe Parrado, ENTRE A CARNE E O OSSO
poema
Tua boca
é um dia estreito
cheio de moscas
De noite
tem a cor azul-verde
dum veneno
como o mar.
Pedro Oom, Perfecto E. Cuadrado, A Única Real Tradição Viva, Antologia da Poesia Surrealista Portuguesa
é um dia estreito
cheio de moscas
De noite
tem a cor azul-verde
dum veneno
como o mar.
Pedro Oom, Perfecto E. Cuadrado, A Única Real Tradição Viva, Antologia da Poesia Surrealista Portuguesa
como um oceano
Tu és meu
pássaro do deserto
cinzento com mil portas
silenciosas e translúcidas.
Tu és meu
a todo o comprimento
do sol
e afogas-me como um oceano.
Artur do Cruzeiro Seixas, Perfecto E. Cuadrado, A Única Real Tradição Viva, Antologia da Poesia Surrealista Portuguesa
pássaro do deserto
cinzento com mil portas
silenciosas e translúcidas.
Tu és meu
a todo o comprimento
do sol
e afogas-me como um oceano.
Artur do Cruzeiro Seixas, Perfecto E. Cuadrado, A Única Real Tradição Viva, Antologia da Poesia Surrealista Portuguesa
a meu favor
A meu favor
Tenho o verde secreto dos teus olhos
Algumas palavras de ódio algumas palavras de amor
O tapete que vai partir para o infinito
Esta noite ou uma noite qualquer
A meu favor
As paredes que insultam devagar
Certo refúgio acima do murmúrio
Que da vida corrente teime em vir
O barco escondido pela folhagem
O jardim onde a aventura recomeça.
Alexandre O'Neill, Perfecto E. Cuadrado, A Única Real Tradição Viva, Antologia da Poesia Surrealista Portuguesa
Tenho o verde secreto dos teus olhos
Algumas palavras de ódio algumas palavras de amor
O tapete que vai partir para o infinito
Esta noite ou uma noite qualquer
A meu favor
As paredes que insultam devagar
Certo refúgio acima do murmúrio
Que da vida corrente teime em vir
O barco escondido pela folhagem
O jardim onde a aventura recomeça.
Alexandre O'Neill, Perfecto E. Cuadrado, A Única Real Tradição Viva, Antologia da Poesia Surrealista Portuguesa
rêve oublié
Neste meu hábito surpreendente de te trazer de costas
neste meu desejo irreflectido de te possuir num trampolim
nesta minha mania de te dar o que tu gostas
e depois esquecer-me irremediavelmente de ti
Agora na superfície da luz a procurar a sombra
agora encostado ao vidro a sonhar a terra
agora a oferecer-te um elefante com uma linda tromba
e depois matar-te e dar-te vida eterna
Continuar a dar tiros e modificar a posição dos astros
continuar a viver até cristalizar entre neve
continuar a contar a lenda duma princesa sueca
e depois fechar a porta para tremermos de medo
Contar a vida pelos dedos e perdê-los
contar um a um os teus cabelos e seguir a estrada
contar as ondas do mar e descobrir-lhes o brilho
e depois contar um a um os teus dedos de fada
Abrir-se a janela para entrarem estrelas
abrir-se a luz para entrarem olhos
abrir-se o tecto para cair um garfo no centro da sala
e depois ruidosa uma dentadura velha
E no CIMO disto tudo uma montanha de ouro
E no FIM disto tudo um Azul-de-Prata.
António Maria Lisboa, Perfecto E. Cuadrado, A Única Real Tradição Viva, Antologia da Poesia Surrealista Portuguesa
neste meu desejo irreflectido de te possuir num trampolim
nesta minha mania de te dar o que tu gostas
e depois esquecer-me irremediavelmente de ti
Agora na superfície da luz a procurar a sombra
agora encostado ao vidro a sonhar a terra
agora a oferecer-te um elefante com uma linda tromba
e depois matar-te e dar-te vida eterna
Continuar a dar tiros e modificar a posição dos astros
continuar a viver até cristalizar entre neve
continuar a contar a lenda duma princesa sueca
e depois fechar a porta para tremermos de medo
Contar a vida pelos dedos e perdê-los
contar um a um os teus cabelos e seguir a estrada
contar as ondas do mar e descobrir-lhes o brilho
e depois contar um a um os teus dedos de fada
Abrir-se a janela para entrarem estrelas
abrir-se a luz para entrarem olhos
abrir-se o tecto para cair um garfo no centro da sala
e depois ruidosa uma dentadura velha
E no CIMO disto tudo uma montanha de ouro
E no FIM disto tudo um Azul-de-Prata.
António Maria Lisboa, Perfecto E. Cuadrado, A Única Real Tradição Viva, Antologia da Poesia Surrealista Portuguesa
de quantas facas se faz o amor
De quantas facas se faz o amor
de quantas pedras se faz o vício
de quantos homens se faz o medo
de quantas noites se faz a morte
de quantas vidas se faz uma criança
de quantas ternuras se faz o tédio
de quantas horas
será feita a esperança que guardo
com sons de corpo arrastado
de quantas grutas será feita
esta humilde nas veias
que me acordam
de quantos poros será feito o mistério
de quantos gritos será feita uma religião
de quantos ossos será feita
a maldade
de quantos crimes será feita
esta lua que mal começou
e já me deixou no hábito de apurar
os sentidos
Fernando Lemos, Perfecto E. Cuadrado, A Única Real Tradição Viva, Antologia da Poesia Surrealista Portuguesa
de quantas pedras se faz o vício
de quantos homens se faz o medo
de quantas noites se faz a morte
de quantas vidas se faz uma criança
de quantas ternuras se faz o tédio
de quantas horas
será feita a esperança que guardo
com sons de corpo arrastado
de quantas grutas será feita
esta humilde nas veias
que me acordam
de quantos poros será feito o mistério
de quantos gritos será feita uma religião
de quantos ossos será feita
a maldade
de quantos crimes será feita
esta lua que mal começou
e já me deixou no hábito de apurar
os sentidos
Fernando Lemos, Perfecto E. Cuadrado, A Única Real Tradição Viva, Antologia da Poesia Surrealista Portuguesa
ainda antes de existir
Deixa-me sentar numa nuvem
a mais alta
e dar pontapés na Lua
que era como eu devia ter vivido
a vida toda
dar pontapés
até sentir um tal cansaço nas pernas
que elas pudessem voar
mas não é possível
que tenho tonturas e quando
olho para baixo
vejo sempre planícies muito brancas
intermináveis
povoadas por uma enorme quantidade
de sombras
dá-me um cão ou uma bola
ou qualquer coisa que eu possa olhar
dá-me os teus braços exaustivamente
longos
dá-me o sono que me pediste uma vez
e que transformaste apenas para
teu prazer
nos nossos encontros e nos nossos
dias perdidos e achados logo em
seguida
depois de terem passado
por uma ponte feita por nós dois
em qualquer sítio me serve
encontrar o teu cabelo
em qualquer lugar me bastam
os teus olhos
porque
sentado numa nuvem
na lua
ou em qualquer precipício
eu sei
que as minhas pernas
feitas pássaros
voam para ti
e as tonturas que a planície me dá
são feitas por nós
de propósito
para irritar aqueles que não sabem
subir e descer as montanhas geladas
são feitas por nós
para nunca nos esquecermos
da beleza dum corpo
cintilando fulgurantemente
para nunca nos esquecermos
do abraço que nos foi dado
por um braço desconhecido
nós sabemos
tu e eu
que depois de tudo
apenas existem os nossos corpos
rutilantes
até se perderem no
limite do olhar
dá-me um cigarro
mesmo que seja só um
já me basta
desde que seja dado por ti
mas não me leves
não me tires
as tonturas que eu teria
que eu terei
sempre que penso cá de cima
duma altura vertiginosa
onde a própria águia
nada mais é que um minúsculo
objecto perdido
onde a nuvem
mais alta de todas
se agasalha como um cão de caça
leva-me a recordação
apenas a recordação
da vida martelada
que em mim tem ficado
como herança dada há mil e
duzentos anos
deixa que eu fique
muito afastado
silencioso
e único
no alto daquela nuvem
que escolhi
ainda antes de existir
Mário-Henrique Leiria, Perfecto E. Cuadrado, A Única Real Tradição Viva, Antologia da Poesia Surrealista Portuguesa
a mais alta
e dar pontapés na Lua
que era como eu devia ter vivido
a vida toda
dar pontapés
até sentir um tal cansaço nas pernas
que elas pudessem voar
mas não é possível
que tenho tonturas e quando
olho para baixo
vejo sempre planícies muito brancas
intermináveis
povoadas por uma enorme quantidade
de sombras
dá-me um cão ou uma bola
ou qualquer coisa que eu possa olhar
dá-me os teus braços exaustivamente
longos
dá-me o sono que me pediste uma vez
e que transformaste apenas para
teu prazer
nos nossos encontros e nos nossos
dias perdidos e achados logo em
seguida
depois de terem passado
por uma ponte feita por nós dois
em qualquer sítio me serve
encontrar o teu cabelo
em qualquer lugar me bastam
os teus olhos
porque
sentado numa nuvem
na lua
ou em qualquer precipício
eu sei
que as minhas pernas
feitas pássaros
voam para ti
e as tonturas que a planície me dá
são feitas por nós
de propósito
para irritar aqueles que não sabem
subir e descer as montanhas geladas
são feitas por nós
para nunca nos esquecermos
da beleza dum corpo
cintilando fulgurantemente
para nunca nos esquecermos
do abraço que nos foi dado
por um braço desconhecido
nós sabemos
tu e eu
que depois de tudo
apenas existem os nossos corpos
rutilantes
até se perderem no
limite do olhar
dá-me um cigarro
mesmo que seja só um
já me basta
desde que seja dado por ti
mas não me leves
não me tires
as tonturas que eu teria
que eu terei
sempre que penso cá de cima
duma altura vertiginosa
onde a própria águia
nada mais é que um minúsculo
objecto perdido
onde a nuvem
mais alta de todas
se agasalha como um cão de caça
leva-me a recordação
apenas a recordação
da vida martelada
que em mim tem ficado
como herança dada há mil e
duzentos anos
deixa que eu fique
muito afastado
silencioso
e único
no alto daquela nuvem
que escolhi
ainda antes de existir
Mário-Henrique Leiria, Perfecto E. Cuadrado, A Única Real Tradição Viva, Antologia da Poesia Surrealista Portuguesa
7
Neste dia meu amor
os meus dedos são o candelabro que te ilumina
o único existente.
E o homem
sua esfera perdida em mãos alheias
é o objecto de malabarismo
o insecto
voltejando cega a luz que lhe irradiam
o límpido cristal corrompido
o defunto.
E este patíbulo onde o próprio carrasco se enforcará
eu o digo
será erguido como símbolo de todos os homens.
Aqui a hora vai sendo longínqua meu amor e solene.
O caminho é grande o tempo tão pouco
tenhamos muita esperança e muito ódio
e vítreas flores a ornar o teu cabelo
porque serei o homem para as transportar
e tu a última mulher que as aceitará.
E enquanto assim for
erguer-se-á a nuvem de múltiplas estrelas
a nebulosa
que dizem estar a milhões de anos-luz
mas não acreditemos bem o sabes
porque em verdade a temos em nossas próprias mãos
oculta para a contemplarmos agora.
Carlos Eurico da Costa, Perfecto E. Cuadrado, A Única Real Tradição Viva, Antologia da Poesia Surrealista Portuguesa
os meus dedos são o candelabro que te ilumina
o único existente.
E o homem
sua esfera perdida em mãos alheias
é o objecto de malabarismo
o insecto
voltejando cega a luz que lhe irradiam
o límpido cristal corrompido
o defunto.
E este patíbulo onde o próprio carrasco se enforcará
eu o digo
será erguido como símbolo de todos os homens.
Aqui a hora vai sendo longínqua meu amor e solene.
O caminho é grande o tempo tão pouco
tenhamos muita esperança e muito ódio
e vítreas flores a ornar o teu cabelo
porque serei o homem para as transportar
e tu a última mulher que as aceitará.
E enquanto assim for
erguer-se-á a nuvem de múltiplas estrelas
a nebulosa
que dizem estar a milhões de anos-luz
mas não acreditemos bem o sabes
porque em verdade a temos em nossas próprias mãos
oculta para a contemplarmos agora.
Carlos Eurico da Costa, Perfecto E. Cuadrado, A Única Real Tradição Viva, Antologia da Poesia Surrealista Portuguesa
O TRABALHO DAS NOSSAS MÃOS
EU ERA NOVO E TU SIMULAVAS.
TARDES IMÓVEIS Â PORTA DO NOSSO MEDO NAS MAIS
DIFÍCEIS EM QUE TE
OCUPAVAS COM GESTOS E UMA INVENCÍVEL ENTREGA TE
FAZIA INVEJAR AS CHA-
MINÉS E OS SEUS FUMOS.
TU, O TEU SANGUE CRESPUSCULAR, DISSOLVIA O MEU
REMORSO DE TER NASCIDO E
DISSOLVIA O PEZ QUE OS OUTROS COLAVAM AO NOSSO
CORPO.
O TEU GESTO DE MOLHAR A LUZ NA TUA PELE DISFARÇAVA
COM CUIDADO QUAL-
QUER ASA DE PECADO.
O NOSSO RECEIO NÃO ERA JÁ DAS CINZAS QUE NOS APOU-
CAM. A LIMPIDEZ DO CÉU,
TRABALHO DAS NOSSAS MÃOS, ENTREABRIRA-TE OS LÁBIOS
DOUTRA SEDE, PERMA-
NENTE COMO A CHUVA.
EU ERA NOVO E TU SIMULAVAS OS MEUS DEDOS DESFO-
LHANDO-SE.
PORQUE O NOSSO PESO ERA DE SÍMBOLOS, DECIDISTE
CRIAR OUTROS.
A DORMIR REFIZEMOS OS NOSSOS FRUTOS DE ALEGRIA E
NUNCA NINGUÉM NOS IM-
PORTUNOU COM TARJAS TRISTES À NOSSA PORTA. A VIVER
REFIZEMOS AS COISAS E
O SEU GUME, NA EVIDÊNCIA DO QUE EXISTE.
DESPIAS SORRIDENTE, DESLUMBRADA, AQUELE QUÊ DE
AUSENTE NA CARNE DAS
ESTÁTUAS, E NADA QUE NÃO FOSSE EXACTO TURBAVA OS
TEUS OLHOS. A TERRA
ABRIA-SE PARA A CHUVA ENQUANTO A SEMENTE DO DIA
ENTRAVA NO BICO DOS
PÁSSAROS. HAVIA UM GESTO DE ELEVAÇÃO.
EU SIMULAVA VER UM BARCO INCENDIADO, UM MAR DE
LIXÍVIA A ARDER E AS REN-
DAS DA NOITE CREPITANDO. OUVES AINDA O RUMORDAS
ESTRELAS DE QUE, NOS
DECLIVES, DEPENDIAM NOSSOS PASSOS? UM PEDESTAL DE
ÓCIO SUSTINHA AS ES-
TÁTUAS DO VALE, INERTES DE DESTERRO, TODAS DE ROSTO
SEMELHANTE, EXISTIN-
DO DE AUSÊNCIA ERGUIDA.
NESSA HORA O LINHO QUE NOS COBRIA TINHA QUALQUER
COISA DE FEROZ E RECLA-
MAVA SANGUE.
O BRANCO ENSINOU-NOS A ESPADA. A ESPADA A CORAGEM
DE A SABER INÚTIL.
UM DIA DISSESTE A FITAR OS OLHOS DE IMENSAS COISAS -
QUE AO MENOS NOS
SALVEMOS NÓS! - DÓI-ME O CORPO DE ESPERAR...
António Dacosta, Perfecto E. Cuadrado, A Única Real Tradição Viva, Antologia da Poesia Surrealista Portuguesa
TARDES IMÓVEIS Â PORTA DO NOSSO MEDO NAS MAIS
DIFÍCEIS EM QUE TE
OCUPAVAS COM GESTOS E UMA INVENCÍVEL ENTREGA TE
FAZIA INVEJAR AS CHA-
MINÉS E OS SEUS FUMOS.
TU, O TEU SANGUE CRESPUSCULAR, DISSOLVIA O MEU
REMORSO DE TER NASCIDO E
DISSOLVIA O PEZ QUE OS OUTROS COLAVAM AO NOSSO
CORPO.
O TEU GESTO DE MOLHAR A LUZ NA TUA PELE DISFARÇAVA
COM CUIDADO QUAL-
QUER ASA DE PECADO.
O NOSSO RECEIO NÃO ERA JÁ DAS CINZAS QUE NOS APOU-
CAM. A LIMPIDEZ DO CÉU,
TRABALHO DAS NOSSAS MÃOS, ENTREABRIRA-TE OS LÁBIOS
DOUTRA SEDE, PERMA-
NENTE COMO A CHUVA.
EU ERA NOVO E TU SIMULAVAS OS MEUS DEDOS DESFO-
LHANDO-SE.
PORQUE O NOSSO PESO ERA DE SÍMBOLOS, DECIDISTE
CRIAR OUTROS.
A DORMIR REFIZEMOS OS NOSSOS FRUTOS DE ALEGRIA E
NUNCA NINGUÉM NOS IM-
PORTUNOU COM TARJAS TRISTES À NOSSA PORTA. A VIVER
REFIZEMOS AS COISAS E
O SEU GUME, NA EVIDÊNCIA DO QUE EXISTE.
DESPIAS SORRIDENTE, DESLUMBRADA, AQUELE QUÊ DE
AUSENTE NA CARNE DAS
ESTÁTUAS, E NADA QUE NÃO FOSSE EXACTO TURBAVA OS
TEUS OLHOS. A TERRA
ABRIA-SE PARA A CHUVA ENQUANTO A SEMENTE DO DIA
ENTRAVA NO BICO DOS
PÁSSAROS. HAVIA UM GESTO DE ELEVAÇÃO.
EU SIMULAVA VER UM BARCO INCENDIADO, UM MAR DE
LIXÍVIA A ARDER E AS REN-
DAS DA NOITE CREPITANDO. OUVES AINDA O RUMORDAS
ESTRELAS DE QUE, NOS
DECLIVES, DEPENDIAM NOSSOS PASSOS? UM PEDESTAL DE
ÓCIO SUSTINHA AS ES-
TÁTUAS DO VALE, INERTES DE DESTERRO, TODAS DE ROSTO
SEMELHANTE, EXISTIN-
DO DE AUSÊNCIA ERGUIDA.
NESSA HORA O LINHO QUE NOS COBRIA TINHA QUALQUER
COISA DE FEROZ E RECLA-
MAVA SANGUE.
O BRANCO ENSINOU-NOS A ESPADA. A ESPADA A CORAGEM
DE A SABER INÚTIL.
UM DIA DISSESTE A FITAR OS OLHOS DE IMENSAS COISAS -
QUE AO MENOS NOS
SALVEMOS NÓS! - DÓI-ME O CORPO DE ESPERAR...
António Dacosta, Perfecto E. Cuadrado, A Única Real Tradição Viva, Antologia da Poesia Surrealista Portuguesa
bom e expressivo
Acaba mal o teu verso,
mas fá-lo com um desígnio:
é um mal que não é mal,
é lutar contra o bonito.
Vai-me a essas rimas que
tão bem desfecham e que
são o pão de ló dos tolos
e torce-lhes o pescoço,
tal como o outro pedia
se fizesse à eloquência,
e se houver um vossa excelência
que grite: — Não é poesia!,
diz-lhe que não, que não é,
que é topada, lixa três,
serração, vidro moído,
papel que se rasga ou pe-
dra que rola na pedra...
Mas também da rima «em cheio»
poderás tirar partido,
que a regra é não haver regra,
a não ser a de cada um,
com sua rima, seu ritmo,
não fazer bom e bonito,
mas fazer bom e expressivo...
Alexandre O'Neill, De Ombro na Ombreira
mas fá-lo com um desígnio:
é um mal que não é mal,
é lutar contra o bonito.
Vai-me a essas rimas que
tão bem desfecham e que
são o pão de ló dos tolos
e torce-lhes o pescoço,
tal como o outro pedia
se fizesse à eloquência,
e se houver um vossa excelência
que grite: — Não é poesia!,
diz-lhe que não, que não é,
que é topada, lixa três,
serração, vidro moído,
papel que se rasga ou pe-
dra que rola na pedra...
Mas também da rima «em cheio»
poderás tirar partido,
que a regra é não haver regra,
a não ser a de cada um,
com sua rima, seu ritmo,
não fazer bom e bonito,
mas fazer bom e expressivo...
Alexandre O'Neill, De Ombro na Ombreira
amanhã aconteceu
Que é notícia?
Um hoje que nunca é hoje,
um amanhã que é já ontem
entre ontens que se perdem
no anteontem dos anos
no tresantontem dos lustros...
Que é notícia?
Amanhã acontecido,
notícia é sempre um depois,
é um a viver vivido...
Que é notícia?
Notícia é devoração!
Aí vai ela pela goela
que há-de engolir tudo e todos!
Aí vai ela, lá foi ela!
Nem trabalho de moela
retém notícia...
Notícia sem coração!
Que é notícia?
Cão perdeu-se! Por que não?
Cão achou-se! Ainda bem!
Ainda melhor, por sinal,
se o cão perdido e o achado
forem um só e o mesmo
«lidos» no mesmo jornal!
Que é notícia?
Damos notícia um ao outro
do nosso interesse comum.
Fui Cavalheiro amanhã.
Ontem Senhora serás.
Como eu não há nenhum!...
Que é notícia?
Quando o primeiro tortulho
se abre no céu (silhueta
que em símbolo se tornará)
onde estou, estouvava eu?
Estava com a tia Henriqueta...
Que é notícia?
Fechada para balanço,
tia Queta dormitava.
Com a folhinha nos joelhos,
do tortulho, que treslera,
já em feto se engelhava...
Que é notícia?
Das convulsões deste mundo
dava meu pai a versão:
- Ailitla por toda a Europa...
O guarda-roupa, meu filho,
varia, a tragédia não...
Que é notícia?
O bom do velhote ia
na terceira dentição...
Que é notícia?
Alcatruz que se abalança
a tornar à sua água?
Já o de Éfeso sabia:
não se molha duas vezes
o lenço na mesma mágoa...
Que é notícia?
Notícia em primeira mão
na minha mão infantil:
o papagaio empinado
no claro céu da manhã,
meu jornal publicado
por cima de tanto afã...
Mas terá sido notícia?
Que é notícia?
Alexandre O'Neill, De Ombro na Ombreira
Um hoje que nunca é hoje,
um amanhã que é já ontem
entre ontens que se perdem
no anteontem dos anos
no tresantontem dos lustros...
Que é notícia?
Amanhã acontecido,
notícia é sempre um depois,
é um a viver vivido...
Que é notícia?
Notícia é devoração!
Aí vai ela pela goela
que há-de engolir tudo e todos!
Aí vai ela, lá foi ela!
Nem trabalho de moela
retém notícia...
Notícia sem coração!
Que é notícia?
Cão perdeu-se! Por que não?
Cão achou-se! Ainda bem!
Ainda melhor, por sinal,
se o cão perdido e o achado
forem um só e o mesmo
«lidos» no mesmo jornal!
Que é notícia?
Damos notícia um ao outro
do nosso interesse comum.
Fui Cavalheiro amanhã.
Ontem Senhora serás.
Como eu não há nenhum!...
Que é notícia?
Quando o primeiro tortulho
se abre no céu (silhueta
que em símbolo se tornará)
onde estou, estouvava eu?
Estava com a tia Henriqueta...
Que é notícia?
Fechada para balanço,
tia Queta dormitava.
Com a folhinha nos joelhos,
do tortulho, que treslera,
já em feto se engelhava...
Que é notícia?
Das convulsões deste mundo
dava meu pai a versão:
- Ailitla por toda a Europa...
O guarda-roupa, meu filho,
varia, a tragédia não...
Que é notícia?
O bom do velhote ia
na terceira dentição...
Que é notícia?
Alcatruz que se abalança
a tornar à sua água?
Já o de Éfeso sabia:
não se molha duas vezes
o lenço na mesma mágoa...
Que é notícia?
Notícia em primeira mão
na minha mão infantil:
o papagaio empinado
no claro céu da manhã,
meu jornal publicado
por cima de tanto afã...
Mas terá sido notícia?
Que é notícia?
Alexandre O'Neill, De Ombro na Ombreira
Z
As formas as sombras, a luz que descobre a noite
e um pequeno pássaro
e depois longo tempo eu te perdi de vista
meus braços são dois espaços enormes
os meus olhos são duas garrafas de vento
e depois eu te conheço de novo numa rua isolada
minhas pernas são duas árvores floridas
os meus dedos uma plantação de sargaços
a tua figura era ao que me lembro da cor do jardim.
António Maria Lisboa, Poesia
e um pequeno pássaro
e depois longo tempo eu te perdi de vista
meus braços são dois espaços enormes
os meus olhos são duas garrafas de vento
e depois eu te conheço de novo numa rua isolada
minhas pernas são duas árvores floridas
os meus dedos uma plantação de sargaços
a tua figura era ao que me lembro da cor do jardim.
António Maria Lisboa, Poesia
uma vida extrema
Para o Mário Cesariny
Moveu-se o automóvel - mas não devia mover-se
não devia!
Ontem à meia-noite três relógios distintos bateram:
primeiro um, depois outro e outro:
o eco do primeiro, o eco do segundo, eu sou o eco do terceiro
Eu sou a terceira meia-noite dos dias que começam
Pregões de varina sem peixe
- o peixe morreu ao sair da água
e assim já não é peixe
Assim como eu que vivo uma VIDA EXTREMA.
António Maria Lisboa, Poesia
Moveu-se o automóvel - mas não devia mover-se
não devia!
Ontem à meia-noite três relógios distintos bateram:
primeiro um, depois outro e outro:
o eco do primeiro, o eco do segundo, eu sou o eco do terceiro
Eu sou a terceira meia-noite dos dias que começam
Pregões de varina sem peixe
- o peixe morreu ao sair da água
e assim já não é peixe
Assim como eu que vivo uma VIDA EXTREMA.
António Maria Lisboa, Poesia
projecto de sucessão
Continuar aos saltos até ultrapassar a Lua
continuar deitado até se destruir a cama
permanecer de pé até a policia vir
permanecer sentado até que o pai morra
Arrancar os cabelos e não morrer numa rua solitária
amar continuamente a posição vertical
e continuamente fazer ângulos rectos
Gritar da janela até que a vizinha ponha as mamas de fora
pôr-se nu em casa até a escultora dar o sexo
fazer gestos no café até espantar a clientela
pregar sustos nas esquinas até que uma velhinha caia
contar historias obscenas uma noite em família
narrar um crime perfeito a um adolescente loiro
beber um copo de leite e misturar-lhe nitro-glicerina
deixar fumar um cigarro só até meio
Abrirem-se covas e esquecerem-se os dias
beber-se por um copo de oiro e sonharem-se Índias.
António Maria Lisboa, Poesia
continuar deitado até se destruir a cama
permanecer de pé até a policia vir
permanecer sentado até que o pai morra
Arrancar os cabelos e não morrer numa rua solitária
amar continuamente a posição vertical
e continuamente fazer ângulos rectos
Gritar da janela até que a vizinha ponha as mamas de fora
pôr-se nu em casa até a escultora dar o sexo
fazer gestos no café até espantar a clientela
pregar sustos nas esquinas até que uma velhinha caia
contar historias obscenas uma noite em família
narrar um crime perfeito a um adolescente loiro
beber um copo de leite e misturar-lhe nitro-glicerina
deixar fumar um cigarro só até meio
Abrirem-se covas e esquecerem-se os dias
beber-se por um copo de oiro e sonharem-se Índias.
António Maria Lisboa, Poesia
fim
De repente ficam só os chafarizes
num topo e noutro da praça.
Está declarado o fim da cerimónia,
uma série de pequenos desastres,
todos ordenados de algum modo.
Ninguém faria nada se soubesse
o que o espera. Pudéssemos ao menos
corrigir um pouco a noite, salvar um pouco
o dia, levar para casa uma mala cheia disto,
esquecer as regras e começar do zero,
antes que a úlcera volte a sangrar.
Põe a manhã à cabeça da lista.
Segura-te a qualquer coisa. O salto
do comboio em movimento.
Vítor Nogueira, Mar Largo
num topo e noutro da praça.
Está declarado o fim da cerimónia,
uma série de pequenos desastres,
todos ordenados de algum modo.
Ninguém faria nada se soubesse
o que o espera. Pudéssemos ao menos
corrigir um pouco a noite, salvar um pouco
o dia, levar para casa uma mala cheia disto,
esquecer as regras e começar do zero,
antes que a úlcera volte a sangrar.
Põe a manhã à cabeça da lista.
Segura-te a qualquer coisa. O salto
do comboio em movimento.
Vítor Nogueira, Mar Largo
dança
A conversa é sobre quem somos
e o que queremos. Não devíamos brincar assim
com facas. De onde vêm estes homens?
Por que fazem estes gestos?
Às vezes a vida é uma dança estruturada.
Tipos que nos deixam aproximar um pouco mais
cada dia que passa. Nunca sabemos
qual deles se vai abaixo a seguir. E onde.
Enquanto a dança vai e vem, escondemos o medo
com isto: fragmentos das nossas memórias,
energia fornecida à tempestade,
o cheiro a tabaco retardado.
Vítor Nogueira, Mar Largo
e o que queremos. Não devíamos brincar assim
com facas. De onde vêm estes homens?
Por que fazem estes gestos?
Às vezes a vida é uma dança estruturada.
Tipos que nos deixam aproximar um pouco mais
cada dia que passa. Nunca sabemos
qual deles se vai abaixo a seguir. E onde.
Enquanto a dança vai e vem, escondemos o medo
com isto: fragmentos das nossas memórias,
energia fornecida à tempestade,
o cheiro a tabaco retardado.
Vítor Nogueira, Mar Largo
geologia
Às vezes são homens de bem
empurrados para esta vida,
resquícios da erosão da montanha,
paisagens antigas
enterradas sob o gelo.
Nada está garantido
numa geologia tão frágil. Este chão
pode virar-se sem aviso.
Ainda assim, sejam bem-vindos,
fiquem tristes à vontade.
Vítor Nogueira, Mar Largo
empurrados para esta vida,
resquícios da erosão da montanha,
paisagens antigas
enterradas sob o gelo.
Nada está garantido
numa geologia tão frágil. Este chão
pode virar-se sem aviso.
Ainda assim, sejam bem-vindos,
fiquem tristes à vontade.
Vítor Nogueira, Mar Largo
a cal, o amor, o meu peito, o coração
A cal,
o amor
guardado para os mortos,
dissolvente perfeito
da tua solidão
descarnada
em meu peito,
a cal,
o coração.
Carlos de Oliveira, TRABALHO POÉTICO
o amor
guardado para os mortos,
dissolvente perfeito
da tua solidão
descarnada
em meu peito,
a cal,
o coração.
Carlos de Oliveira, TRABALHO POÉTICO
a poesia que te diga
Os versos
que te digam
a pobreza que somos
o bolor nas paredes
deste quarto deserto
os rostos a apagar-se
no frémito
do espelho
e o leito desmanchado
o peito aberto
a que chamaste
amor.
Carlos de Oliveira, TRABALHO POÉTICO
que te digam
a pobreza que somos
o bolor nas paredes
deste quarto deserto
os rostos a apagar-se
no frémito
do espelho
e o leito desmanchado
o peito aberto
a que chamaste
amor.
Carlos de Oliveira, TRABALHO POÉTICO
o apocalipse da esperança
Juro pelos meus olhos
que te venho pedir
o apocalipse da esperança:
a carícia da peste, as patas dum cavalo,
o incêndio duma lança;
os dentes arrancados à cárie da fome;
a dolorosa guerra
nos túmulos dos mortos
e dos vivos sem nome.
Carlos de Oliveira, TRABALHO POÉTICO
que te venho pedir
o apocalipse da esperança:
a carícia da peste, as patas dum cavalo,
o incêndio duma lança;
os dentes arrancados à cárie da fome;
a dolorosa guerra
nos túmulos dos mortos
e dos vivos sem nome.
Carlos de Oliveira, TRABALHO POÉTICO
a geometria imposta do quarto
Aceito a ordem
das coisas, a geometria
imposta do quarto?
Os objectos no
seu lugar de sempre,
a distância exacta
da cadeira à mesa,
do meiple à janela?
O sono do tapete?
O universo diário
do quarto alugado,
as molduras que
cercam, resguardam
naturezas mortas,
paisagens imóveis?
Aceito a minha vida?
Ou mexo no candeeiro,
desvio-o alguns centímetros
na mesa, altero
as relações das coisas,
afinal tão frágeis
que o simples desvio
dum objecto pode
romper o equilíbrio?
Pego no telefone
e grito ao primeiro
desconhecido: ouves-me?
Ou deixo tudo
tal como está,
medido, quieto
no rigor do quarto,
e eu hesitante
entre o soalho e o tecto?
Desloco o cinzeiro
sabendo que posso
matar mandarins,
provocar cataclismos,
fracturas, amores,
eclipses, sonhos,
com a ponta dum dedo?
Ou apago a lâmpada
eléctrica e entro
no mesmo torpor
que as flores do tapete,
a fruta dos quadros,
o frio, o bolor,
no chão, nas paredes,
o poema na mesa,
a mesa no espaço
do quarto comprado
mês a mês? Confundo
o aluguer e o tempo,
deixo-me ser
em cada milímetro,
em cada segundo,
do quarto, da vida,
o outro objecto
chamado inquilino?
Ou desencadeio
a insurreição
mudando de sítio
o meiple, a cadeira,
mudando-me a mim?
Carlos de Oliveira, TRABALHO POÉTICO
das coisas, a geometria
imposta do quarto?
Os objectos no
seu lugar de sempre,
a distância exacta
da cadeira à mesa,
do meiple à janela?
O sono do tapete?
O universo diário
do quarto alugado,
as molduras que
cercam, resguardam
naturezas mortas,
paisagens imóveis?
Aceito a minha vida?
Ou mexo no candeeiro,
desvio-o alguns centímetros
na mesa, altero
as relações das coisas,
afinal tão frágeis
que o simples desvio
dum objecto pode
romper o equilíbrio?
Pego no telefone
e grito ao primeiro
desconhecido: ouves-me?
Ou deixo tudo
tal como está,
medido, quieto
no rigor do quarto,
e eu hesitante
entre o soalho e o tecto?
Desloco o cinzeiro
sabendo que posso
matar mandarins,
provocar cataclismos,
fracturas, amores,
eclipses, sonhos,
com a ponta dum dedo?
Ou apago a lâmpada
eléctrica e entro
no mesmo torpor
que as flores do tapete,
a fruta dos quadros,
o frio, o bolor,
no chão, nas paredes,
o poema na mesa,
a mesa no espaço
do quarto comprado
mês a mês? Confundo
o aluguer e o tempo,
deixo-me ser
em cada milímetro,
em cada segundo,
do quarto, da vida,
o outro objecto
chamado inquilino?
Ou desencadeio
a insurreição
mudando de sítio
o meiple, a cadeira,
mudando-me a mim?
Carlos de Oliveira, TRABALHO POÉTICO
sobre o lado esquerdo
De vez em quando a insónia vibra com a nitidez dos sinos, dos cristais. E então, das duas uma: partem-se ou não se partem as cordas tensas da sua harpa insuportável. No segundo caso, o homem que não dorme pensa: «o melhor é voltar-me para o lado esquerdo e assim, deslocando todo o peso do sangue sobre a metade mais gasta do meu corpo, esmagar o coração.»
Carlos de Oliveira, TRABALHO POÉTICO
Carlos de Oliveira, TRABALHO POÉTICO
OLHAS PARA MIM,
um punhado de ossos
arrumado num saco de plástico preto,
dor e pedagogia, papo seco
agarrado a uma lembrança.
Tens nojo do contorno oleoso
que o meu cabelo dá ao teu passado.
Acusas-me de misturar whisky com coca-cola.
Queres os livros de volta.
Está tudo certo.
Mas deverias ter medo,
sei lá, apanhar uma doença qualquer,
alimentar um próspero tumor.
Com esta caneta,
esventrei príncipes e porcos
acreditando que era com a barriga que pensavam.
Sonhei de mais. Jurei em falso.
O horizonte fechou-se,
lentamente,
como uma cicatriz do espaço.
O sol e a melancolia
fazem crescer agora, à minha volta,
um girassol de chumbo.
O verão
insiste em amadurecer na minha pança,
as suas abóboras para pintar.
Tudo certo.
Aguardo hoje em paz - não é assim que se faz? -
a alegria da reforma,
como o alívio estrondoso de uma catástrofe,
sentado e bêbado,
ou apenas quieto e envergonhado,
no topo de um poste de electricidade.
Ao longe, as luzes da marginal
tiritam uma ópera astral,
enquanto o mijo me aquece as pernas
O que posso fazer, Gabi?
Sou um pássaro noctívago,
tenho os olhos maiores que o meu cérebro.
Golgona Anghel, COMO UMA FLOR DE PLÁSTICO NA MONTRA DE UM TALHO
arrumado num saco de plástico preto,
dor e pedagogia, papo seco
agarrado a uma lembrança.
Tens nojo do contorno oleoso
que o meu cabelo dá ao teu passado.
Acusas-me de misturar whisky com coca-cola.
Queres os livros de volta.
Está tudo certo.
Mas deverias ter medo,
sei lá, apanhar uma doença qualquer,
alimentar um próspero tumor.
Com esta caneta,
esventrei príncipes e porcos
acreditando que era com a barriga que pensavam.
Sonhei de mais. Jurei em falso.
O horizonte fechou-se,
lentamente,
como uma cicatriz do espaço.
O sol e a melancolia
fazem crescer agora, à minha volta,
um girassol de chumbo.
O verão
insiste em amadurecer na minha pança,
as suas abóboras para pintar.
Tudo certo.
Aguardo hoje em paz - não é assim que se faz? -
a alegria da reforma,
como o alívio estrondoso de uma catástrofe,
sentado e bêbado,
ou apenas quieto e envergonhado,
no topo de um poste de electricidade.
Ao longe, as luzes da marginal
tiritam uma ópera astral,
enquanto o mijo me aquece as pernas
O que posso fazer, Gabi?
Sou um pássaro noctívago,
tenho os olhos maiores que o meu cérebro.
Golgona Anghel, COMO UMA FLOR DE PLÁSTICO NA MONTRA DE UM TALHO
é sábado e eu
Acordo em forma de cubo de gelo.
A minha cabeça é uma cúpula de cristal,
onde o Mourinho decidiu introduzir
no último minuto do jogo,
uma vuvuzela.
No intervalo, sou levada num trenó
por uma horda de cães da Sibéria.
Perco um chinelo pelo caminho.
Fico sem bateria no telemóvel.
E no momento preciso em que consigo,
por fim, segurar as rédeas
e encontrar um horóscopo
no bolso do pijama,
resolvem tocar à campainha e fico
minutos a fio a tentar perceber
como é que funciona o raio do intercomunicador.
Passo o ponto alto do dia agarrada aos botões,
sem saber, no fim, o que é que queriam:
a leitura do gás ou a dica da semana.
Golgona Anghel, COMO UMA FLOR DE PLÁSTICO NA MONTRA DE UM TALHO
A minha cabeça é uma cúpula de cristal,
onde o Mourinho decidiu introduzir
no último minuto do jogo,
uma vuvuzela.
No intervalo, sou levada num trenó
por uma horda de cães da Sibéria.
Perco um chinelo pelo caminho.
Fico sem bateria no telemóvel.
E no momento preciso em que consigo,
por fim, segurar as rédeas
e encontrar um horóscopo
no bolso do pijama,
resolvem tocar à campainha e fico
minutos a fio a tentar perceber
como é que funciona o raio do intercomunicador.
Passo o ponto alto do dia agarrada aos botões,
sem saber, no fim, o que é que queriam:
a leitura do gás ou a dica da semana.
Golgona Anghel, COMO UMA FLOR DE PLÁSTICO NA MONTRA DE UM TALHO
daqui ninguém sai com fome
EM VEZ DE CONTINUAREM A CUSPIR,
enxaguem a baba,
metam os sapatinhos de vela
o colarinho branco,
e olhem fixamente para a câmara:
podem dizer mal de mim,
mas sorriam.
Não desperdicem
as últimas três gotas de Chanel nº 5
que o ódio vos borrifou nos pulsos.
Usem sempre as melhores cartas,
citem-me,
sejam lordes quando espetam a navalha.
Eu sei quem são,
conheço o vosso cheiro.
Eu também ganho as minhas medalhas
em lares, creches e hospitais.
Podem, se quiserem,
ir ao céu,
mas isso não implica que encontrem Deus.
Agora não façam de mim
este bicho exótico
apanhado, de surpresa,
enquanto preparava um cocktail
molotov no penico
do seu habitat natural.
Não me cortem as garras,
nem me domestiquem a cama.
Se não conseguem encontrar a saída,
se acertaram em cheio,
neste buraco vazio,
fiquem e lavem-se!
Daqui ninguém sai com fome.
Golgona Anghel, COMO UMA FLOR DE PLÁSTICO NA MONTRA DE UM TALHO
enxaguem a baba,
metam os sapatinhos de vela
o colarinho branco,
e olhem fixamente para a câmara:
podem dizer mal de mim,
mas sorriam.
Não desperdicem
as últimas três gotas de Chanel nº 5
que o ódio vos borrifou nos pulsos.
Usem sempre as melhores cartas,
citem-me,
sejam lordes quando espetam a navalha.
Eu sei quem são,
conheço o vosso cheiro.
Eu também ganho as minhas medalhas
em lares, creches e hospitais.
Podem, se quiserem,
ir ao céu,
mas isso não implica que encontrem Deus.
Agora não façam de mim
este bicho exótico
apanhado, de surpresa,
enquanto preparava um cocktail
molotov no penico
do seu habitat natural.
Não me cortem as garras,
nem me domestiquem a cama.
Se não conseguem encontrar a saída,
se acertaram em cheio,
neste buraco vazio,
fiquem e lavem-se!
Daqui ninguém sai com fome.
Golgona Anghel, COMO UMA FLOR DE PLÁSTICO NA MONTRA DE UM TALHO
como será a tua cara hoje
O desastre gosta de tomar
a forma das tuas pernas
para envolver-me melhor.
Reparo nas minhas unhas roídas nos cantos,
na pele infectada,
nos dentes amarelados,
no lixo acumulado no quarto
e pergunto-me:
como será a tua cara hoje,
enquanto o teu cabelo liso e louro
continua a tecer-me um casulo dourado
desde a altura do Natal,
dentro da minha arca congeladora?
Golgona Anghel, COMO UMA FLOR DE PLÁSTICO NA MONTRA DE UM TALHO
a forma das tuas pernas
para envolver-me melhor.
Reparo nas minhas unhas roídas nos cantos,
na pele infectada,
nos dentes amarelados,
no lixo acumulado no quarto
e pergunto-me:
como será a tua cara hoje,
enquanto o teu cabelo liso e louro
continua a tecer-me um casulo dourado
desde a altura do Natal,
dentro da minha arca congeladora?
Golgona Anghel, COMO UMA FLOR DE PLÁSTICO NA MONTRA DE UM TALHO
como se me tivesse despistado
(...)
Acontece-me isto com Onetti, digo-te,
ponho-me a falar de literatura,
quero ser o papagaio de Flaubert,
a anaconda de Saint-Exupéry,
ou, ao menos, o cordeiro de Jan van Eyck.
Mas de cordeiros estão os céus e os supermercados cheios.
Invento, por isso, um território comercial um pouco mais original,
actualizo os equipamentos,
gravo o texto de atendimento ao público.
Preparo-me para ser um autómato,
esta máquina de vender cigarros na pastelaria da tua esquina.
Nem acredito que tenhas passado por aqui,
sua vadia,
e não tenhas metido nenhuma moeda
na minha boca.
Golgona Anghel, COMO UMA FLOR DE PLÁSTICO NA MONTRA DE UM TALHO
Acontece-me isto com Onetti, digo-te,
ponho-me a falar de literatura,
quero ser o papagaio de Flaubert,
a anaconda de Saint-Exupéry,
ou, ao menos, o cordeiro de Jan van Eyck.
Mas de cordeiros estão os céus e os supermercados cheios.
Invento, por isso, um território comercial um pouco mais original,
actualizo os equipamentos,
gravo o texto de atendimento ao público.
Preparo-me para ser um autómato,
esta máquina de vender cigarros na pastelaria da tua esquina.
Nem acredito que tenhas passado por aqui,
sua vadia,
e não tenhas metido nenhuma moeda
na minha boca.
Golgona Anghel, COMO UMA FLOR DE PLÁSTICO NA MONTRA DE UM TALHO
annabel lee
O REMOTO REI DOS CORVOS,
Edgar Allan Poe,
deixa cair do seu bico,
no centro de uma biblioteca,
os restos de uma musa.
Cansados de tanta melancolia,
os ratos montam à sua volta um circo.
«Annabel Lee», «Annabel Lee»,
guincham os bichos,
repartindo os ossos entre si.
Mostram os dentes,
esticam-lhe a pele.
Sabem que o poema
não tem outro precursor
a não ser a fome,
nem outro seguidor
a não ser o crime
Golgona Anghel, COMO UMA FLOR DE PLÁSTICO NA MONTRA DE UM TALHO
Edgar Allan Poe,
deixa cair do seu bico,
no centro de uma biblioteca,
os restos de uma musa.
Cansados de tanta melancolia,
os ratos montam à sua volta um circo.
«Annabel Lee», «Annabel Lee»,
guincham os bichos,
repartindo os ossos entre si.
Mostram os dentes,
esticam-lhe a pele.
Sabem que o poema
não tem outro precursor
a não ser a fome,
nem outro seguidor
a não ser o crime
Golgona Anghel, COMO UMA FLOR DE PLÁSTICO NA MONTRA DE UM TALHO
loneliness
Há refrões que não são fáceis de aprender:
Here comes loneliness.
Foi essa, desde o início, a nossa história.
Que passos te levam
ou não levam agora aos mesmos
bares, a portas fechadas,
àqueles de quem nem pudeste despedir-te?
Procuras uma resposta,
a forca simples de um olhar.
Mas é demasiado tarde,
canções
que fingindo a vida nos sepultam.
Walkmen, José Miguel Silva e Manuel de Freitas
Here comes loneliness.
Foi essa, desde o início, a nossa história.
Que passos te levam
ou não levam agora aos mesmos
bares, a portas fechadas,
àqueles de quem nem pudeste despedir-te?
Procuras uma resposta,
a forca simples de um olhar.
Mas é demasiado tarde,
canções
que fingindo a vida nos sepultam.
Walkmen, José Miguel Silva e Manuel de Freitas
so goodnight
Não posso dizer que tenha aprendido grande coisa
nos últimos, digamos, duzentos anos.
Há muitas perguntas que vão perdendo altura
à medida que as penas tombam e também
as garras já não prendem como soíam.
Depois de ter visto de que palha são enchidos
os príncipes felizes, já não saio de casa
sem levar comigo uma carteira de fósforos.
Agora tenho mais tempo morto, só de cinco
em cinco anos compro uma pilha nova
para o relógio. Em vez de cortar os pulsos
cortei a linha do telefone. Já não acordo de noite
para lhe perguntar porque não tocas.
E o que mais me custa, no fim de contas,
é dar razão a Confúcio quando afirma:
quanto mais te ergues para Deus mais ele
de ti se afasta, deixando-te sozinho
a arrumar a casa. Mas estes chineses,
na filosofia moral como no ténis de mesa,
acabam sempre por levar a taça,
e por esta altura da minha queda já concedo
que seja o silêncio a condição natural
para uma ave sem nome que Setembro chamou
e que há duzentos anos não aprende nada.
Walkmen, José Miguel Silva e Manuel de Freitas
nos últimos, digamos, duzentos anos.
Há muitas perguntas que vão perdendo altura
à medida que as penas tombam e também
as garras já não prendem como soíam.
Depois de ter visto de que palha são enchidos
os príncipes felizes, já não saio de casa
sem levar comigo uma carteira de fósforos.
Agora tenho mais tempo morto, só de cinco
em cinco anos compro uma pilha nova
para o relógio. Em vez de cortar os pulsos
cortei a linha do telefone. Já não acordo de noite
para lhe perguntar porque não tocas.
E o que mais me custa, no fim de contas,
é dar razão a Confúcio quando afirma:
quanto mais te ergues para Deus mais ele
de ti se afasta, deixando-te sozinho
a arrumar a casa. Mas estes chineses,
na filosofia moral como no ténis de mesa,
acabam sempre por levar a taça,
e por esta altura da minha queda já concedo
que seja o silêncio a condição natural
para uma ave sem nome que Setembro chamou
e que há duzentos anos não aprende nada.
Walkmen, José Miguel Silva e Manuel de Freitas
no way back
«Como sair daqui?» Perguntas bem, amigo.
Diógenes diria «à catanada, vivamente»,
Lichtenberg «à gargalhada», se o conheço.
Thomas Bernhard proporia «num rectângulo
de tábuas» e Machado que o caminho de saída
se descobre ao caminhar. Beckett é provável
que dissesse «rastejando».
Diderot aventaria
«pela rua do liceu», Tcheckov «pela viela
mais escura, à tua esquerda». Séneca diria,
muito sonso, «pelo passeio das Virtudes»,
Vaneigem «pelo jardim das Belas-Artes».
Bashô responderia (e eu com ele) «é muito cedo,
fica mais um pouco, ainda há vinho na garrafa».
Walkmen, José Miguel Silva e Manuel de Freitas
Diógenes diria «à catanada, vivamente»,
Lichtenberg «à gargalhada», se o conheço.
Thomas Bernhard proporia «num rectângulo
de tábuas» e Machado que o caminho de saída
se descobre ao caminhar. Beckett é provável
que dissesse «rastejando».
Diderot aventaria
«pela rua do liceu», Tcheckov «pela viela
mais escura, à tua esquerda». Séneca diria,
muito sonso, «pelo passeio das Virtudes»,
Vaneigem «pelo jardim das Belas-Artes».
Bashô responderia (e eu com ele) «é muito cedo,
fica mais um pouco, ainda há vinho na garrafa».
Walkmen, José Miguel Silva e Manuel de Freitas
victims of the dance
Era antes da Internet: um recanto
do Blitz onde se expunham ou partilhavam
(des)prazeres, um improvisado conjunto
de referências que nos pudesse
aproximar de alguém,
nem que fosse de nós próprios.
Estávamos, como sempre, demasiado sós,
entregues a províncias e desgostos
incomuns, mesmo quando batiam certo
os nomes, os sinais de alarme que
- entre ninguém e ninguém -
desbravavam uma espécie de caminho.
Conheci, em suma, dezenas de pessoas.
Às cartas seguia-se fatalmente o rosto,
surpresa por vezes dolorosa (outras vezes não).
Ninguém, de qualquer modo, queria ser ninguém.
Antes presentes ou futuros poetas, romancistas,
compositores, artistas plásticos, timoneiros.
Se nenhum deles, a acreditar no Google, deixou cadastro
cultural foi porque a vida, ou nem sequer a vida,
sabotou as adolescências de que fui breve testemunha.
E não ignoro que este vestígio incerto vale menos
do que o silêncio com que me escreviam
há quase vinte anos. Quando não havia e-mail.
Walkmen, José Miguel Silva e Manuel de Freitas
do Blitz onde se expunham ou partilhavam
(des)prazeres, um improvisado conjunto
de referências que nos pudesse
aproximar de alguém,
nem que fosse de nós próprios.
Estávamos, como sempre, demasiado sós,
entregues a províncias e desgostos
incomuns, mesmo quando batiam certo
os nomes, os sinais de alarme que
- entre ninguém e ninguém -
desbravavam uma espécie de caminho.
Conheci, em suma, dezenas de pessoas.
Às cartas seguia-se fatalmente o rosto,
surpresa por vezes dolorosa (outras vezes não).
Ninguém, de qualquer modo, queria ser ninguém.
Antes presentes ou futuros poetas, romancistas,
compositores, artistas plásticos, timoneiros.
Se nenhum deles, a acreditar no Google, deixou cadastro
cultural foi porque a vida, ou nem sequer a vida,
sabotou as adolescências de que fui breve testemunha.
E não ignoro que este vestígio incerto vale menos
do que o silêncio com que me escreviam
há quase vinte anos. Quando não havia e-mail.
Walkmen, José Miguel Silva e Manuel de Freitas
my love what shall I do if you die?
© Niki de Saint Phalle
I shall buy a beautiful dress and mourn over you
I shall cry a lake of tears
I shall build you a fantastic monument for your tomb
and then I shall look for someone new
a incompreensão dos dias da corja
olha como é a injustiça que te atira à sarjeta
passam-te três carros e meio por cima
e ainda te levantas com um sorriso
aprendeste a coxear em tom sexy
só à espera desse instante
depois segues toda mulher, disfarçada
em ligaduras de primeiro grau
seguirás em frente com os princípios e
os fins
serás refeita e praticada universalmente,
como uma bíblia,
nesta cozinha onde sugas as lágrimas
a lavar a loiça com palha de aço
Cláudia R. Sampaio, OS DIAS DA CORJA, do lado esquerdo
passam-te três carros e meio por cima
e ainda te levantas com um sorriso
aprendeste a coxear em tom sexy
só à espera desse instante
depois segues toda mulher, disfarçada
em ligaduras de primeiro grau
seguirás em frente com os princípios e
os fins
serás refeita e praticada universalmente,
como uma bíblia,
nesta cozinha onde sugas as lágrimas
a lavar a loiça com palha de aço
Cláudia R. Sampaio, OS DIAS DA CORJA, do lado esquerdo
atropelamento
Quando eles dizem
"morreu rebentada por dentro"
querem dizer
que o coração se moveu do esquerdo
ao lado direito do peito
que o impacto se sentiu no pulmão
onde o coração entrou e ficou escondido
palpável à língua
Que o fígado acidulado por um último jantar
se lançou em espuma contra as costas
e negra da noite ao avesso
a caixa torácica perdeu o abaule
o orgulho
as flores como pétalas de osso quebraram
por todo o dentro de cinco sentidos
Em todo o caso o corpo
ficou incólume
sentado na estrada
desviado apenas do lugar
onde esteve o baque da alma
Andreia C. Faria, Flúor
"morreu rebentada por dentro"
querem dizer
que o coração se moveu do esquerdo
ao lado direito do peito
que o impacto se sentiu no pulmão
onde o coração entrou e ficou escondido
palpável à língua
Que o fígado acidulado por um último jantar
se lançou em espuma contra as costas
e negra da noite ao avesso
a caixa torácica perdeu o abaule
o orgulho
as flores como pétalas de osso quebraram
por todo o dentro de cinco sentidos
Em todo o caso o corpo
ficou incólume
sentado na estrada
desviado apenas do lugar
onde esteve o baque da alma
Andreia C. Faria, Flúor
eu fujo da vida
Os sentimentos atrasam,
as paixões atrasam,
as instituições atrasam,
está tudo a mais, nesse demais sempre a pesar sobre a existência, ela própria uma ideia a mais
(...)
Porque sou eu quem fere e destrói, parte, dá,
escolhe, decide, reparte,
e todo o corpo é inanimado,
na origem absolutamente inanimado,
e não há corpo nem espírito,
qualquer apelo errante de vida,
nada a não ser o silêncio e a morte
tuberosa da meia-noite,
revista de antes, da outra vida,
mas por agora acabou-se,
o peso caído do impossível
que pesa aí dia e noite
já não pesará mais antes de entrar
a inenarrável cacofonia
dos seres em perpétua insurreição
enfrentados por aquele que parte, dá e reparte.
Eu não reparto, eu fujo
da vida.
Antonin Artaud, trad. Ernesto Sampaio
as paixões atrasam,
as instituições atrasam,
está tudo a mais, nesse demais sempre a pesar sobre a existência, ela própria uma ideia a mais
(...)
Porque sou eu quem fere e destrói, parte, dá,
escolhe, decide, reparte,
e todo o corpo é inanimado,
na origem absolutamente inanimado,
e não há corpo nem espírito,
qualquer apelo errante de vida,
nada a não ser o silêncio e a morte
tuberosa da meia-noite,
revista de antes, da outra vida,
mas por agora acabou-se,
o peso caído do impossível
que pesa aí dia e noite
já não pesará mais antes de entrar
a inenarrável cacofonia
dos seres em perpétua insurreição
enfrentados por aquele que parte, dá e reparte.
Eu não reparto, eu fujo
da vida.
Antonin Artaud, trad. Ernesto Sampaio
tua alma o um que são dois quando dois são um
Lavoisier, Pessoa
Porta pra tudo!
Ponte pra tudo!
Estrada pra tudo!
Tua alma omnívora,
Tua alma ave, peixe, fera, homem, mulher,
Tua alma os dois onde estão dois,
Tua alma o um que são dois quando dois são um,
Tua alma seta, raio, espaço,
Amplexo, nexo, sexo, Texas, Carolina, New York,
Brooklyn Ferry à tarde,
Brooklyn Ferry das idas e dos regressos,
Libertad! Democracy! Século vinte ao longe!
Pum! pum! pum! pum! pum!
PUM!
Ponte pra tudo!
Estrada pra tudo!
Tua alma omnívora,
Tua alma ave, peixe, fera, homem, mulher,
Tua alma os dois onde estão dois,
Tua alma o um que são dois quando dois são um,
Tua alma seta, raio, espaço,
Amplexo, nexo, sexo, Texas, Carolina, New York,
Brooklyn Ferry à tarde,
Brooklyn Ferry das idas e dos regressos,
Libertad! Democracy! Século vinte ao longe!
Pum! pum! pum! pum! pum!
PUM!
Fernando Pessoa, Saudação a Walt Whitman
do not love too long
Sweetheart, do not love too long:
I loved long and long,
And grew to be out of fashion
Like an old song.
All through the years of our youth
Neither could have known
Their own thought from the other's,
We were so much at one.
But O, in a minute he changed --
O do not love too long,
Or you will grow out of fashion
Like an old song.
William Butler Yeats
I loved long and long,
And grew to be out of fashion
Like an old song.
All through the years of our youth
Neither could have known
Their own thought from the other's,
We were so much at one.
But O, in a minute he changed --
O do not love too long,
Or you will grow out of fashion
Like an old song.
William Butler Yeats
une femme est une femme
Tu ne serais pas une femme
Si tu ne savais pas si bien
Te faire et te refaire une âme,
Une âme neuve avec un rien.
A ce jeu ta science est telle
Que, chaque fois que je te vois,
Tu fais semblant d’être nouvelle,
Et j’y suis pris toutes les fois.
Tu sais qu’à la fin tout s’use,
Que notre amour est déjà vieux,
Alors tu triches, tu ruses,
Tu viens avec d’autres yeux,
Tu rajeunis sous des fourrures
L’éclat trop prévu de ta peau,
Tu renais d’un satin, revis d’une guipure…
Et puis, il y a tes chapeaux!
Je crois découvrir en toi quelque chose
De plus grave, de plus profond.
Et c’est tout simplement à cause
D’un de ces grands chapeaux qui font
Les yeux plus noirs, les joues plus roses
Et qui cachent si bien les fronts!
Ainsi tu sais, femme mille fois femme,
Dès que tu sens mon amour las,
Te composer un parfum d’âme
Que je ne te connaissais pas.
Alors, amoureux, je saccage
Tes lèvres de baisers nerveux.
Je prends dans mes mains ton visage
Et je rebrousse tes cheveux.
Je ris, je suis heureux, je t’aime…
Mais quand j’ai défait les chiffons
Et trouvé tes vrais yeux au fond,
Je vois bien que ce sont les mêmes!
Lorsqu’enfin je tiens dans mes doigts
Sous tes cheveux ta tête nue,
Tristement déçu, je revois
Ton front de la dernière fois:
C’est toujours toi
Qui continues…
Je tâche en vain sous mes baisers
De ranimer l’âme éphémère.
C’est fini. Le charme est brisé.
Et tu ressembles à ta mère.
Paul Géraldy, Toi et Moi
Si tu ne savais pas si bien
Te faire et te refaire une âme,
Une âme neuve avec un rien.
A ce jeu ta science est telle
Que, chaque fois que je te vois,
Tu fais semblant d’être nouvelle,
Et j’y suis pris toutes les fois.
Tu sais qu’à la fin tout s’use,
Que notre amour est déjà vieux,
Alors tu triches, tu ruses,
Tu viens avec d’autres yeux,
Tu rajeunis sous des fourrures
L’éclat trop prévu de ta peau,
Tu renais d’un satin, revis d’une guipure…
Et puis, il y a tes chapeaux!
Je crois découvrir en toi quelque chose
De plus grave, de plus profond.
Et c’est tout simplement à cause
D’un de ces grands chapeaux qui font
Les yeux plus noirs, les joues plus roses
Et qui cachent si bien les fronts!
Ainsi tu sais, femme mille fois femme,
Dès que tu sens mon amour las,
Te composer un parfum d’âme
Que je ne te connaissais pas.
Alors, amoureux, je saccage
Tes lèvres de baisers nerveux.
Je prends dans mes mains ton visage
Et je rebrousse tes cheveux.
Je ris, je suis heureux, je t’aime…
Mais quand j’ai défait les chiffons
Et trouvé tes vrais yeux au fond,
Je vois bien que ce sont les mêmes!
Lorsqu’enfin je tiens dans mes doigts
Sous tes cheveux ta tête nue,
Tristement déçu, je revois
Ton front de la dernière fois:
C’est toujours toi
Qui continues…
Je tâche en vain sous mes baisers
De ranimer l’âme éphémère.
C’est fini. Le charme est brisé.
Et tu ressembles à ta mère.
Paul Géraldy, Toi et Moi
then you read a book
You live like this, sheltered, in a delicate world, and you believe you are living. Then you read a book… or you take a trip… and you discover that you are not living, that you are hibernating. The symptoms of hibernating are easily detectable: first, restlessness. The second symptom (when hibernating becomes dangerous and might degenerate into death): absence of pleasure. That is all. It appears like an innocuous illness. Monotony, boredom, death. Millions live like this (or die like this) without knowing it. They work in offices. They drive a car. They picnic with their families. They raise children. And then some shock treatment takes place, a person, a book, a song, and it awakens them and saves them from death. Some never awaken.
Anaïs Nin, The Diary of Anaïs Nin, Vol. 1
ai senhor victor, o mundo é tão grande
Anaïs Nin, The Diary of Anaïs Nin, Vol. 1
ai senhor victor, o mundo é tão grande
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Stephen Wright
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Stevie Smith
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Tatianna Rei Moonshadow
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